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Bolsonaro nomeia militares que estiveram no Haiti para governo e pode repetir estratégia de segurança

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Por Gabriel Stargardter

RIO DE JANEIRO (Reuters) - O general brasileiro Augusto Heleno comandou centenas de soldados da Organiza??o das Na??es Unidas (ONU) em 2005 em uma miss?o em uma favela do Haiti em busca de um criminoso poderoso.

Ao longo de uma luta armada de sete horas, as tropas dispararam mais de 22 mil balas em Cit? Soleil, um bairro pobre da capital haitiana, Porto Pr?ncipe. Seu alvo, um l?der combatente conhecido como Dread Wilme, foi morto.

A opera??o, batizada de 'Punho de Ferro', coroou a cruzada de Heleno para restaurar a ordem no pa?s depois que o presidente haitiano foi deposto por insurgentes. Heleno declarou a a??o uma sucesso.

Mas v?rios grupos de direitos humanos a classificaram como um 'massacre', alegando que dezenas de civis morreram no fogo cruzado, muitos deles mulheres e crian?as.

O epis?dio, quase esquecido fora do Haiti, pode ser um esbo?o da estrat?gia de seguran?a do presidente eleito Jair Bolsonaro para enfrentar a viol?ncia no Brasil.

Ele escolheu Heleno como ministro do Gabinete de Seguran?a Institucional e quer que o general da reserva e outros militares que atuaram no Haiti combatam a viol?ncia no Brasil com m?todos empregados em Porto Pr?ncipe.

O Brasil teve um recorde de 64 mil assassinatos no ano passado, a maior cifra do mundo. Bolsonaro prometeu n?o ter clem?ncia com infratores da lei.

'Estamos em guerra. O Haiti tamb?m estava em guerra', disse Bolsonaro em uma entrevista recente ? televis?o. '(No Haiti) a regra era: voc? encontra um elemento com uma arma, voc? atira, e depois v? o que aconteceu. Voc? resolve o problema'.

O Haiti tem grande destaque no gabinete de Bolsonaro.

Seu futuro ministro da Defesa, o general da reserva Fernando Azevedo e Silva, serviu no pa?s como chefe de opera??es subordinado a Heleno. O pr?ximo ministro da Infraestrutura, Tarc?sio Freitas, foi engenheiro militar s?nior da ONU no Haiti, chegando pouco depois de Heleno partir em 2005. O general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz, o novo ministro da Secretaria de Governo, liderou tropas da ONU na na??o caribenha em 2007.

Nem Heleno nem Azevedo responderam a pedidos de coment?rio sobre a opera??o em Cit? Soleil.

Ainda n?o se sabe o qu?o r?gida poder? ser a abordagem de Heleno no Brasil, particularmente no Estado do Rio de Janeiro, mas outras a??es repressivas n?o produziram resultados duradouros.

Entre estes esfor?os est?o uma grande ofensiva de seguran?a em algumas favelas do Rio antes da Olimp?ada de 2016 e mais recentemente uma interven??o militar iniciada em fevereiro. As mortes violentas aumentaram 1,3 por cento durante os primeiros nove meses da ocupa??o quando comparados ao mesmo per?odo do ano passado, e o n?mero de pessoas mortas por for?as de seguran?a aumentou mais de 40 por cento -- cerca de quatro morrem diariamente.

A atual interven??o no Rio est? programada para terminar pouco antes de Bolsonaro tomar posse no dia 1? de janeiro de 2019, mas nem Heleno nem Azevedo e Silva descartaram prorrog?-la.

Nas ?ltimas semanas Heleno expressou apoio a uma estrat?gia radical de combate ao crime defendida pelo pr?ximo governador fluminense, Wilson Witzel, que envolve a mobiliza??o de atiradores de elite em helic?pteros para eliminar traficantes com fuzis nas favelas.

Heleno afirmou em uma entrevista recente a uma r?dio que suas regras de engajamento no Haiti eram semelhantes ?s propostas por Witzel, acrescentando que partes essenciais da interven??o militar no Rio 'podem servir de modelo para o resto do pa?s'.

Essas opini?es preocupam alguns membros das For?as Armadas, que temem que uma guerra urbana prolongada mine o moral das tropas e provoque uma rejei??o do p?blico contra uma das institui??es mais respeitadas do Brasil.

Elas tamb?m preocupam alguns especialistas em seguran?a p?blica, que receiam que os novos l?deres do pa?s intensifiquem uma estrat?gia fracassada.

'O Rio ? um laborat?rio que ilustra que este tipo de diretriz n?o funciona', disse Ignacio Cano, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) que escreveu diversos artigos sobre quest?es de seguran?a.

'BALAS ATRAVESSAVAM PAREDES'

A Reuters entrevistou mais de uma d?zia de pessoas a par da opera??o de 6 de julho de 2005, inclusive diplomatas, funcion?rios de ONGs, autoridades haitianas e moradores de Cit? Soleil.

A Reuters tamb?m analisou relat?rios da ONU, telegramas diplom?ticos divulgados pelo Wikileaks, artigos de imprensa e as pr?prias declara??es de Heleno ? ?poca. Juntos, esses documentos pintam um quadro detalhado das press?es que Heleno sofreu para ser r?gido no Haiti.

O Brasil assumiu o controle militar da miss?o da ONU para estabilizar o Haiti, conhecida como Minustah, em meados de 2004. Heleno, o primeiro comandante militar brasileiro da Minustah, chegou pouco depois da deposi??o e da partida do ent?o presidente Jean-Bertrand Aristide para o ex?lio. O general foi encarregado de estabilizar o pa?s para a realiza??o de elei??es pac?ficas.

Em seu caminho ele encontrou gangues criminosas poderosas que mantinham esquemas violentos de sequestros de pessoa e carros e de corrup??o. ? medida que os meses passavam, os Estados Unidos, em particular, expressavam impaci?ncia com o progresso de Heleno.

'A Minustah foi incapaz de estabelecer seguran?a e estabilidade aqui', disse James B. Foley, ent?o embaixador dos EUA no Haiti, em um telegrama de 1? de junho de 2005 a Washington. 'Por mais que posamos pressionar a ONU e os brasileiros a adotarem a abordagem mais vigorosa que ? necess?ria, n?o acredito que eles estar?o ? altura da tarefa no final das contas'.

Cinco semanas depois Heleno ordenou que 440 soldados da ONU, apoiados por 41 ve?culos e helic?pteros blindados, entrassem em Cit? Soleil para deter Wilme, que telegramas dos EUA descreviam como o criminoso mais poderoso do Haiti.

Inicialmente a equipe de?Heleno disse que Wilme e alguns aliados morreram, o que resultou no m?ximo em cinco ou seis fatalidades, de acordo com relatos da imprensa -- mas relatos de mortos e feridos civis logo surgiram.

'Temos informa??o cr?vel de que tropas da ONU, acompanhadas pela pol?cia haitiana, mataram um n?mero indeterminado de moradores desarmados de Cit? Soleil, inclusive v?rios beb?s e mulheres', disse na ocasi?o Renan Hedouville, chefe da organiza??o local sem fins lucrativos Advogados Comprometidos com o Respeito aos Direitos Individuais.

O ent?o diretor da miss?o dos M?dicos sem Fronteiras no Haiti disse a rep?rteres que seus m?dicos trataram 27 pessoas de ferimentos de bala, a maioria mulheres e crian?as.

Diplomatas dos EUA tamb?m questionaram a vers?o dos eventos da Minustah. Um telegrama de 26 de julho de 2005 disse que '22 mil cartuchos ? uma quantidade grande de muni??o para ter matado s? seis pessoas', e observou que alguns grupos de direitos humanos estimaram o saldo de mortes em at? 70.

Um porta-voz do atual governo haitiano n?o respondeu a um pedido de coment?rio sobre a opera??o ou a lideran?a brasileira das tropas da Minustah.

Mas alguns moradores de Cit? Soleil n?o conseguem se livrar da lembran?a daquele dia. A ambulante Anol Pierre disse que estava em casa quando o ataque come?ou.

'Eu me escondi debaixo da cama com meus filhos enquanto as balas atravessavam as paredes', contou. 'S? rezamos para Jesus. Lembro de uma mulher gr?vida com dois filhos que morreu. Muitas fam?lias foram v?timas'.

SEM REMORSOS

Juan Gabriel Vald?s, chefe civil da Minustah no Haiti ? ?poca, disse que as regras de pacifica??o da ONU permitiam que os soldados de Heleno reagissem a disparos ao serem atacados. A Minustah disse que Cit? Soleil continuava t?o vol?til que era imposs?vel realizar uma investiga??o completa para determinar o saldo de mortes.

Respondendo a alega??es de for?a excessiva, um relator especial da ONU pediu esclarecimentos do que aconteceu ? Minustah. Seu relat?rio sustentou que a explica??o da miss?o para suas a??es foi 'essencialmente satisfat?ria'.

Heleno expressou desd?m por aqueles que questionaram suas a??es, segundo Seth Donnelly, ativista de direitos humanos que estava no Haiti ? ?poca. Em um relat?rio escrito sobre o ataque, Donnelly afirmou que Heleno disse a ele e a seus colegas ativistas que 'eles s? pareciam se importar com os direitos dos 'fora da lei''.

As opini?es de Heleno sobre a seguran?a p?blica n?o se suavizaram desde que ele deixou o Haiti. Em 2008, ainda na ativa, ele criticou publicamente diretrizes brasileiras que garantem a autonomia de tribos ind?genas em terras ancestrais por v?-la como uma amea?a ? soberania nacional.

Ao se aposentar, em 2011, Heleno defendeu a ditadura militar que vigorou no Brasil de 1964 a 1985, dizendo ter sido um basti?o contra a 'comuniza??o do pa?s'.

Em uma entrevista a uma r?dio neste m?s, Heleno disse que os direitos humanos deveriam ser reservados a 'humanos decentes'. Ele disse que fac??es criminosas est?o transformando o Brasil em um 'narcopa?s' e que medidas agressivas precisam ser usadas para det?-los.

'? um absurdo tratar isso como situa??o normal. ? situa??o de exce??o que merece tratamento de exce??o'.

(Reportagem adicional de Robenson Sanon e Andres Martinez Casares, em Porto Pr?ncipe; Anthony Boadle, em Bras?lia; e Michelle Nichols, em Nova York)

Escrito por Redação

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