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ENFOQUE-Manobra para linhão de energia em terra indígena de RR deve enfrentar obstáculos

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Por Luciano Costa

S?O PAULO (Reuters) - A decis?o do presidente Jair Bolsonaro de declarar como estrat?gica para a soberania nacional uma linha de transmiss?o para conectar Roraima ao sistema el?trico do pa?s gera preocupa??es com direitos ind?genas e poder? ser contestada na Justi?a, com os nativos exigindo participa??o no processo.

O linh?o, visto como importante para encerrar a depend?ncia de Roraima de importa??es de energia da Venezuela, foi licitado ainda em 2011, mas at? hoje n?o obteve licen?a ambiental de instala??o, necess?ria para in?cio das obras.

A dificuldade ? atribu?da principalmente ? resist?ncia dos ?ndios Waimiri Atroari, uma vez que cerca de 120 dos 715 quil?metros do empreendimento cortariam terras da etnia, traumatizada pelas mortes geradas durante o processo de constru??o da BR-174, que quase extinguiu o povo ind?gena nos anos 70.

Para superar o entrave, o Conselho de Defesa Nacional usou o acirramento da crise venezuelana como justificativa para declarar a obra no ?ltimo m?s como 'alternativa energ?tica estrat?gica', alegando riscos ao suprimento local de energia.

Mas a manobra, que segundo o governo busca acelerar o licenciamento, gera temor de que direitos dos ?ndios possam ser atropelados, disse ? Reuters o procurador Julio Jos? Araujo Junior, do Minist?rio P?blico Federal no Amazonas (MPF-AM), que acompanha o caso.

'A medida comporta contesta??es. Preocupa a tentativa de simplificar o debate, como se os ?ndios fossem empecilho ou impeditivo para a obra. Existe um claro silenciamento desses grupos na constru??o do empreendimento, desde sua defini??o, quando se tratou como banalidade o fato de haver uma terra ind?gena no meio do tra?ado da linha', afirmou.

A Conven??o 169 da Organiza??o Internacional do Trabalho (OIT-169) determina que deve haver consulta pr?via a ind?genas antes de empreendimentos com impacto sobre suas terras.

Essa consulta n?o tem efeito vinculante, mas os ?ndios querem ver estudos sobre os impactos do linh?o e participar do debate, principalmente devido a traumas passados, disse Araujo, ressaltando que os Waimiri Atroari foram quase extintos durante obras da rodovia BR-174, nos anos 70 e 80, per?odo de ditadura militar no Brasil.

O linh?o de Boa Vista (RR) a Manaus (AM) foi projetado para acompanhar o tra?ado da BR na terra ind?gena, o que autoridades dizem que reduziria impactos ambientais.

'Os ?ndios sofreram uma viola??o dr?stica de direitos no passado e aquilo que essa viola??o propiciou (a BR) agora ? usado como facilitador para um novo empreendimento. Esse detalhe ? muito perverso, muito duro, e prejudica as discuss?es, ainda mais se voc? conduzir isso de forma unilateral', disse Araujo.

O MPF moveu diversas a??es contra o linh?o nos ?ltimos anos. Em uma delas, obteve liminar que obrigava o governo a promover uma consulta vinculante com os ?ndios sobre o empreendimento, mas a decis?o foi suspensa em janeiro.

O projeto est? sob responsabilidade da estatal Eletronorte, da Eletrobras, e da Alupar, que j? chegou a manifestar interesse em abandonar o neg?cio devido ao longo atraso.

Agora, a expectativa ? de que a obra do linh?o comece em julho, segundo o porta-voz da Presid?ncia, general Ot?vio R?go Barros. Ele disse que o governo quer 'conversar' com l?deres ind?genas locais, mas ressaltou que 'o interesse da soberania nacional se sobrep?e a outras quest?es'.

QUEST?O LEGAL

O Minist?rio de Minas e Energia disse que o licenciamento do linh?o ser? apenas 'acelerado', mas envolver? 'participa??o efetiva da comunidade ind?gena afetada nos estudos de campo para evitar a passagem da linha por s?tios considerados sagrados'.

Advogados, no entanto, divergem sobre o real alcance da manobra do governo de definir o empreendimento como estrat?gico.

A s?cia da ?rea ambiental do Veirano Advogados, Ana Luci Grizzi, disse que a medida vai apenas acelerar a tramita??o do processo de licenciamento nos ?rg?os ambientais, 'sem pular etapas, absolutamente'.

Mas outros advogados afirmam que a medida abre brecha para que o governo se veja livre de exig?ncias relacionadas ao licenciamento e ? consulta aos ?ndios.

A pr?pria pasta de Minas e Energia disse que a decis?o do governo segue ac?rd?o do Supremo Tribunal Federal em julgamento sobre a terra ind?gena Raposa Serra do Sol, em 2009.

Na ocasi?o, o STF apontou que, em casos de 'interesse da pol?tica de defesa nacional', medidas incluindo 'a explora??o de alternativas estrat?gicas de cunho energ?tico... ser?o implementadas independentemente de consulta ?s comunidades ind?genas envolvidas ou ? Funai'.

O s?cio do Campos Mello Advogados, Terence Trennepohl, afirmou que h? na lei dispositivo que permitiria ao presidente at? dispensar de licenciamento empreendimentos que cooperem 'com o desenvolvimento nacional e a defesa civil'.

Mas a vis?o de que tais teses se aplicam ao linh?o n?o ? un?nime --o MPF, por exemplo, entende que a posi??o do STF citada pelo governo era v?lida apenas para o caso Raposa Serra do Sol e n?o v? argumentos para considerar como urgente e de interesse nacional um projeto vem sendo discutido h? anos.

As diferentes posi??es geram expectativas de que o tema siga como alvo de debates nos tribunais.

'Que isso pode gerar uma discuss?o judicial, n?o tenho d?vida nenhuma, mas ? uma decis?o que tem que ser tomada. O governo deve estar calculando os riscos e se preparando para uma batalha judicial', disse o especialista em energia do Demarest Advogados, Pedro Dante.

Em ?ltima inst?ncia, opositores do linh?o poderiam denunciar eventual descumprimento de direitos ind?genas pelo Brasil junto a ?rg?os internacionais, disse o s?cio do Pinheiro Neto Advogados, Werner Grau. 'O Brasil poderia ser acusado de descumprir a OIT-169, o que n?o seria a primeira vez.'

A Comiss?o de Direitos Humanos da Organiza??o dos Estados Americanos (OEA) chegou a pedir em 2011 que o Brasil parasse as obras de Belo Monte devido ? falta de consulta aos ?ndios. O pleito foi negado pelo governo Dilma Rousseff e a comiss?o depois alterou a decis?o, pedindo medidas de mitiga??o.

HIST?RIA VIOLENTA

O professor de Antropologia da Universidade de Bras?lia Stephen Baines estima que a etnia Wairimi Atroari chegou a ter mais de 6 mil membros no fim do s?culo XIX, n?mero que caiu para por volta de 2 mil nos anos 60 e foi reduzido a 332 indiv?duos em 1983, quando ele realizava pesquisas de campo.

Ele disse que o in?cio das obras da BR-174 nos anos 70 levou ?s aldeias surtos de doen?as como gripe e sarampo, mortais para os ind?genas, gerando movimento de resist?ncia contra o projeto que incluiu ataques com v?timas fatais contra postos da Funai.

'Os ?ndios haviam entendido as doen?as como um ataque de feiti?aria dos brancos querendo elimin?-los', contou Baines.

Ele afirmou que a resposta dos militares foi uma retalia??o que incluiu demonstra??es de for?a com rajadas de metralhadoras e granadas ao longo da trajet?ria da BR-174 em junho de 1975, para tentar acabar com a resist?ncia ind?gena ? constru??o da estrada.

'? uma hist?ria de contato extremamente violenta e traum?tica. Os mais jovens n?o vivenciaram isso, mas os mais velhos lembram muito claramente. Voc? pode chamar de genoc?dio... foram d?cadas de ataques, massacres e mortes por epidemias', afirmou.

Em audi?ncia no MPF no final de fevereiro, seis ind?genas Waimiri Atroari afirmaram que suas aldeias foram alvos na ?poca de ataques a?reos militares com explosivos e venenos, al?m de serem enfrentados por tropas terrestres com armas de fogo.

Posteriormente, nos anos 80, a etnia ainda teve parte de sua terra alagada pela hidrel?trica de Balbina, da Eletronorte.

Como compensa??o pelos danos, no entanto, a estatal passou a patrocinar um programa de apoio aos ?ndios que ajudou a popula??o Wairimi Atroari voltar ? marca de 2 mil indiv?duos.

(Por Luciano Costa)

Escrito por Redação

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