ENFOQUE-Quem vai fazer o milagre? Na contramão, Brasil antecipa discussão sobre afrouxar isolamento
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Por Pedro Fonseca e Lisandra Paraguassu
RIO DE JANEIRO/BRAS?LIA (Reuters) - Ao mesmo tempo que o Brasil caminha para viver cenas vistas pelo mundo, com salto nos casos de coronav?rus, dificuldades para enterrar corpos e servi?os de sa?de exauridos, os sinais da estrat?gia para deter a pandemia v?o na contram?o do recomendado por especialistas. O presidente Jair Bolsonaro, contr?rio ao isolamento e minimizando mortes, diz que n?o pode fazer milagre, e o novo ministro da Sa?de ainda avalia a melhor estrat?gia.
Com mais mortes por coronav?rus que a China, o Brasil ruma para se tornar um dos pa?ses mais afetados pela pandemia de Covid-19. Nesta semana o pa?s registrou um novo recorde de mortes em 24 horas, com 474, na ter?a-feira, totalizando 5.017 ?bitos em consequ?ncia da doen?a. A China, primeiro pa?s afetado pelo novo coronav?rus, tem 4.633 mortes confirmadas oficialmente.
'N?o estou entendo o come?o dessa flexibiliza??o, porque de fato o que a gente percebe ? ainda uma car?ncia de estrutura, uma car?ncia de profissionais, porque n?o basta ter o respirador, voc? precisa de algu?m que saiba operar', disse o m?dico Jairo Alencar, plantonista de terapia intensiva em um hospital particular do Estado do Rio de Janeiro.
Pouco mais de um m?s depois da ado??o das primeiras medidas de isolamento social para tentar conter a dissemina??o da doen?a, governos estaduais come?am a falar no fim das medidas mais restritivas --conforme defendido por Bolsonaro--, mesmo com ind?cios de que a contamina??o avan?a e com os sistemas de sa?de pr?ximos da lota??o.
'E da?? Lamento, quer que eu fa?a o qu???, disse Jair Messias Bolsonaro, quando perguntado sobre o recorde de mortes no pa?s. ?Eu sou Messias, mas n?o fa?o milagre', afirmou.
'Vamos nos preparar para a retomada, o problema est? a?, apertaram demais', acrescentou o presidente na noite de ter?a-feira. Pouco antes, seu ministro da Sa?de, Nelson Teich, reconhecia pela primeira vez o agravamento da situa??o, mas ressaltou ser localizado e n?o fez nenhuma refer?ncia ?s medidas de isolamento ou formas de conter a doen?a.
O Brasil est? atr?s apenas dos EUA e pa?ses europeus duramente atingidos, como Espanha, It?lia e Fran?a, que tamb?m discutem a sa?da do isolamento -- no entanto, ao contr?rio do Brasil, somente ap?s terem passado pelo pior da doen?a.
Imagens de Santa Catarina, um dos primeiros Estados a acabar com a maior parte das medidas de isolamento, correram o pa?s. Uma multid?o --incluindo idosos, que fazem parte do grupo de risco-- se aglomerava na entrada de um shopping na cidade de Blumenau.
Quatro dias depois da reabertura, o n?mero de casos saltou mais de 70%, subindo de 98 no dia 22 para 167 no dia 26, de acordo com dados da pr?pria prefeitura. Com uma ocupa??o de menos de 20% dos leitos de UTI reservados para casos de Covid-19, o Estado decidiu liberar shoppings, lojas de rua e academias, entre outros neg?cios, e a dissemina??o foi inevit?vel.
Apesar do exemplo catarinense, o novo ministro da Sa?de, que assumiu o cargo ap?s crise entre Bolsonaro e o ent?o ministro Luiz Henrique Mandetta --que contrariava o presidente ao defender publicamente o isolamento--, prometeu apresentar nesta semana as diretrizes para auxiliar Estados a decidirem sobre o fim do isolamento.
Mesmo com a ressalva de que diversas vari?veis ser?o levadas em considera??o e que n?o ser? tomada nenhuma 'medida intempestiva', as discuss?es acontecem antes de o pa?s chegar ao per?odo de pico das interna??es por doen?as respirat?rias, que tradicionalmente ocorre no final de maio, e ante Estados j? com suas redes de sa?de enfrentando dificuldades.
'Ainda haver? muitos casos e muitas mortes, infelizmente', disse ? Reuters o infectologista Edimilson Migowski, professor da Universidade Federal do Rio Janeiro. 'O prov?vel ocorreu: falta de profissionais, equipamentos, leitos e respiradores.'
Levantamento da Reuters com os governos estaduais feito no fim da semana passada apontou que, entre 21 Estados que responderam aos pedidos de informa??o sobre a situa??o dos leitos de Unidades de Tratamento Intensivo (UTI), 11 estavam com mais de 50% de ocupa??o, sendo que tr?s --Amazonas, Cear? e Pernambuco-- j? atingiram 100% de ocupa??o nos ?ltimos dias.
Especificamente em Manaus, primeira capital a declarar o esgotamento de seu sistema de sa?de devido ? Covid-19, a m?dia de sepultamentos chegou a 100 por dia-- ante m?dia de 30 antes da pandemia-- e as autoridades chegaram a realizar sepultamento em camada.
Apesar do cen?rio, pelo menos 13 Estados j? tomaram medidas para relaxar o isolamento ou planejam faz?-lo nas pr?ximas semanas, pressionados principalmente pela situa??o econ?mica, mas tamb?m diante das falas insistentes de Bolsonaro criticando as quarentenas e responsabilizando os governadores pelos empregos perdidos.
O Estado de S?o Paulo, que ainda concentra sozinho mais de um ter?o dos casos confirmados, tem ocupados 81% dos leitos de UTI da ?rea metropolitana da capital e 70% dos leitos de enfermaria dedicados ? Covid-19. Ainda assim, nas pr?ximas duas semanas, anunciou o governador Jo?o Doria (PSDB), o governo prepara um plano para come?ar uma sa?da controlada do isolamento.
'Vamos levar em conta situa??es locais, regionais e os setores que possam retornar a economia com as devidas medidas de prote??o', afirmou o governador, que tem alertado que o afrouxamento s? ser? implementado se o ?ndice de ades?o ao isolamento social ficar acima de 50% -- o que n?o tem ocorrido na Grande SP.
ORLA CARIOCA
Da mesma forma, o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), j? come?ou avalia??es sobre liberar gradualmente as atividades econ?micas no Estado. H? uma semana chegou a discutir essa possibilidade, mas voltou atr?s. Com 97% das UTIs ocupadas na zona metropolitana do Rio, e mais de 70% no Estado, o Rio de Janeiro j? d? sinais de esgotamento do sistema de sa?de e sofre com uma fila de pessoas ? espera de leitos.
Apesar de o governador ter recuado e mantido o isolamento, a ades?o no Rio de Janeiro caiu na ?ltima semana. No domingo, de acordo com levantamento feito pela plataforma InLoco, estava em 60,8%, mas durante os dias ?teis se manteve em torno de 50%.
Mesmo em dias de semana a orla da capital fluminense tem ficado cheia de pessoas. Ao mesmo tempo, o Rio j? acumula 8.500 casos de Covid-19 e 738 mortes.
Em meio ao avan?o das discuss?es sobre o afrouxamento, o apoio da popula??o ao isolamento social amplo caiu 8 pontos percentuais no Brasil desde o in?cio do m?s e atingiu 52%, de acordo com pesquisa do Datafolha divulgados nesta quarta-feira pelo jornal Folha de S.Paulo.
Cear?, Pernambuco e Amazonas, Estados que j? est?o muito pr?ximos do colapso total do sistema de sa?de, aparecem entre os que n?o t?m previs?o de reabertura do com?rcio. Em todos eles, de acordo com a InLoco, o ?ndice de isolamento est? em torno de 60%.
Por?m, em quase todos os demais Estados com decretos determinando algum tipo de isolamento, as medidas expiram nos primeiros dias de maio.
'ISOLAMENTO INTELIGENTE'
A necessidade de retomar atividade econ?mica foi o centro das preocupa??es de Bolsonaro desde o in?cio da epidemia, e um dos seus principais embates com o ex-ministro Mandetta, at? levar ? sua demiss?o.
Sem qualquer evid?ncia cient?fica, Bolsonaro j? defendeu um 'isolamento vertical', em que apenas pessoas do grupo de risco ficariam confinadas. Classificou o coronav?rus como uma 'gripezinha' e atacou duramente governadores como Doria e Witzel, a quem acusa de querer seu lugar em 2022.
Ao escolher Teich como seu novo ministro, Bolsonaro teve como principal requisito algu?m que lhe dissesse que poderia haver outra solu??o que n?o fosse o isolamento.
Mesmo longe ainda do controle da epidemia, Teich j? tratou como um de seus principais assuntos as diretrizes para os Estados voltarem ? normalidade. O plano ainda n?o foi finalizado, mas Teich foi chamado para assumir o cargo ao mostrar ao presidente a possibilidade de um 'isolamento inteligente'.
'O afastamento ? uma medida absolutamente natural e l?gica na largada, mas ele n?o pode n?o estar acompanhado de um programa de sa?da, isso ? o que a gente vai desenhar', afirmou o ministro logo ao assumir, acrescentando n?o haver ainda um 'crescimento explosivo' da doen?a no pa?s -- apesar do aumento dos registros de casos e mortes.
'CAOS INSTAURADO'
Quase duas semanas ap?s ter assumido o cargo, Teich ainda n?o apresentou um plano de a??o e tem se limitado a dizer, em entrevistas coletivas bastante protocolares, que s?o necess?rios mais dados para avaliar a situa??o da pandemia.
M?dicos que trabalham na linha de frente em UTIs relatam um aumento exponencial de demandas nos locais mais afetados pelo coronav?rus, que exp?e um problema j? cr?nico no pa?s de baixo n?mero de leitos e servi?os insuficientes. Profissionais de sa?de temem que a possibilidade de afrouxamento do isolamento social aumente ainda mais a press?o sobre o sistema.
'O caos est? instaurado, infelizmente', afirmou o m?dico plantonista de UTI Jairo Alencar.
Um desafio a mais representado pela Covid-19 ? o processo de entuba??o, onde h? risco de contamina??o de toda a equipe de sa?de. Apenas na cidade S?o Paulo, mais de 3 mil profissionais de sa?de j? foram afastados do trabalho por s?ndromes gripais, reduzindo uma m?o de obra essencial no combate ? doen?a.
Para minimizar o riscos, as entuba??es passaram a ser realizadas pela chamada sequ?ncia r?pida, que, no entanto, ? mais delicada e apresenta maiores riscos para os pacientes.
'? muito mais complexo. Se voc? n?o entubar o paciente em 45 segundos o cora??o dele para', disse o m?dio Rafael Deucher, presidente da Sociedade de Terapia Intensiva do Paran? (Sotipa) e membro da Associa??o de Medicina Intensiva Brasileira (Amib).
Levantamento da Associa??o Paulista de Medicina com profissionais de todo o pa?s apontou que apenas 15,5% dos entrevistados se consideram capacitados para atender casos suspeitos e confirmados de Covid-19 em qualquer fase da doen?a, inclusive quando graves, sob tratamento intensivo.
Para 74,5% dos 2.312 entrevistados, faltar?o m?dicos para o combate ? doen?a e assist?ncia aos brasileiros, e mais de 90% disseram que n?o foram submetidos a qualquer teste para detectar Covid-19, ressaltando outro problema no enfrentamento ? doen?a.
Apesar de ter previs?o de realizar 46 milh?es de testes, apenas 181 mil tinham sido conclu?dos at? 22 de abril, e outros 158 mil ainda aguardavam resultado, segundo dados do Minist?rio da Sa?de divulgados na segunda-feira.
A situa??o tem impedido o pa?s de atender ? recomenda??o da Organiza??o Mundial da Sa?de (OMS) para o enfrentamento ? pandemia, de forma a identificar, isolar e tratar as pessoas infectadas. Depois de produzir cerca de 60 mil testes em mar?o, a Funda??o Oswaldo Cruz promete produzir no m?s de abril 1,2 milh?o de testes, dobrando para 2,4 milh?es em maio.
A car?ncia de testes ainda aponta para outro problema, a subnotifica??o de casos, o que pode significar uma quadro ainda pior do que est? desenhado atualmente no pa?s.
'O pico ainda n?o chegou, e se seguir esse comportamento social, infelizmente, vamos ter uma piora de casos, casos graves e ?bitos?, disse ? Reuters o Secret?rio de Sa?de do Rio de Janeiro, Edmar Santos.
(Reportagem adicional de Rodrigo Viga Gaier, no Rio de Janeiro)
Escrito por Reuters
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