ESPECIAL-Bolsonaro testa novo modelo de governo em meio a desconfiança e ceticismo
Publicada em
Por Lisandra Paraguassu
BRAS?LIA (Reuters) - Ao tomar posse como presidente na pr?xima ter?a-feira, Jair Bolsonaro assume tentando manter as promessas de campanha de montar um governo 'fora da pol?tica' e com uma nova linha ideol?gica, mas seu modelo de governar, n?o testado, causa desconfian?a e algum ceticismo em Bras?lia.
Em dois meses de transi??o, dizem fontes ouvidas pela Reuters, a futura administra??o manteve o discurso de campanha --inclusive com declara??es mais apropriadas aos palanques do que ? realidade do dia a dia de um governo. Buscou, ainda, montar uma equipe evitando grandes lideran?as partid?rias, trazendo t?cnicos e indica??es de bancadas tem?ticas.
'Ele est? colocando em pr?tica o discurso que ele assumiu na campanha, ningu?m pode reclamar disso. Sempre foi muito aut?ntico e direto no que pensava', analisou um l?der de partido simp?tico ao novo governo. 'Mas essa tentativa de um novo relacionamento com o Congresso, com frentes, eu acredito que faz mais estardalha?o que resultado pr?tico.'
Na tentativa de se blindar dos tradicionais pedidos partid?rios por cargos, Bolsonaro negociou indica??es para minist?rios importantes, como Agricultura e Sa?de, com as frentes parlamentares das ?reas. Onde n?o havia consenso, apelou para t?cnicos ou indica??es familiares, como no caso do futuro chanceler, Ernesto Ara?jo, que havia ca?do nas gra?as de seus filhos, especialmente o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ).
As d?vidas que surgem ? por quanto tempo esse 'novo modelo' conseguir? funcionar e se manter? afastado da pol?tica tradicional em Bras?lia.
'A gente torce para dar certo, vamos ajudar no que for poss?vel, mas eu diria que tem pelo menos 50 por cento de chance de dar errado', avaliou um dirigente partid?rio. 'A bem da verdade, est?o batendo cabe?a, est?o perdidos. N?o tem gente, n?o tem pessoas para ocupar os postos. Acabaram botando muita gente do governo Temer e das For?as Armadas.'
A quantidade de militares ? um dos dados mais claros no futuro governo. Al?m do vice-presidente, general da reserva Hamilton Mour?o, outros cinco militares ocupam o primeiro escal?o do governo, incluindo o ministro da Infraestrutura, que deixou o Ex?rcito antes de alcan?ar uma alta patente. No segundo escal?o, mais nomes v?m das For?as Armadas, em um movimento in?dito desde a redemocratiza??o do pa?s.
Se causaram desconfian?a inicialmente, os militares no pr?ximo governo j? s?o tratados como parte do cen?rio pol?tico.
'Esses que foram escolhidos j? s?o mais politizados. Creio que n?o deve ter grandes problemas, tem grande forma??o. Ningu?m chega a general 4 estrelas sem fazer pol?tica', disse outro l?der ouvido pela Reuters. 'Eu espero melhor tratamento dos generais do que do Paulo Guedes (ministro da Economia), que n?o tem o menor traquejo nisso.'
Gafes cometidas por Guedes, que pediu press?o sobre o Congresso para aprovar medidas de interesse do novo governo, e o desconhecimento sobre a vota??o do Or?amento foram pontos que, para alguns pol?ticos, mostraram a dificuldade do novo governo de entender os meandros da capital federal, mesmo com um presidente que passou quase tr?s d?cadas na C?mara dos Deputados e um ministro da Casa Civil tamb?m parlamentar como Onyx Lorenzoni.
Um deputado experiente na Casa conta que, apesar de ser parlamentar h? quatro mandatos, o futuro ministro da Casa Civil nunca foi um nome com tr?nsito na C?mara. Respons?vel pela reda??o das chamadas 10 medidas contra a corrup??o, Onyx n?o s? n?o conseguiu votos para aprov?-las --apesar do apoio popular-- como criou mais inimizades.
'Ele n?o tem tr?nsito. Como ? que esse governo vai negociar?', disse o parlamentar. 'Uma coisa ? aprovar redu??o da maioridade, mudan?as no estatuto de desarmamento, que s?o coisas com apoio popular. Outra bem diferente ? conseguir apoio para uma reforma da Previd?ncia, que as pessoas n?o querem.'
Por sugest?o das bancadas partid?rias, Bolsonaro montou um time de ex-parlamentares na Casa Civil para 'ajudar' Onyx nas negocia??es. Ser?o respons?veis por atender deputados e senadores, ouvir as demandas, levar ao ministro.
Insistem os novos governistas que o refor?o n?o ser? para um toma l?, d? c?, como s?o chamadas as trocas de votos por emendas ou cargos, mas sim para melhorar o fluxo e o relacionamento com os parlamentares.
'Minha d?vida ?: esse grupo vai atender todos os parlamentares? Ou vai acabar atendendo s? o partido dele? E se for um rival na mesma regi?o? A verdade ? que as coisas n?o mudam assim de repente', avaliou o dirigente partid?rio.
Outro l?der ouvido pela Reuters admite que boa parte do Congresso n?o 'mudou o chip' --ou seja, ainda n?o aceita que a maneira de negociar com o novo governo v? ser diferente e ainda n?o sabe lidar com o que vem por a?.
'Tem um in?cio a? de 75 por cento de expectativa positiva. Com uma agenda inicial positivada, de coisas que interessam aos Estados, acho que ele vai poder ter di?logo com o Congresso', disse o l?der. 'O teste vai ser na reforma da Previd?ncia, em que n?o h? apoio popular.'
O parlamentar lembra que Bolsonaro tem o h?bito de usar as redes sociais para atrair seus simpatizantes para o que quer fazer e criar press?o. Essa, diz, ? uma estrat?gia que funciona em quest?es populares, mas n?o para quest?es mais complexas como a Previd?ncia.
'As pessoas n?o querem a reforma, ? um processo que n?o tem o mesmo respaldo. Voc? n?o vai para as redes sociais e vira as pessoas a favor da reforma', disse.
Escalado para a Secretaria de Governo da Presid?ncia, o general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz, hoje um dos nomes mais pr?ximos ao futuro presidente, diz que as d?vidas s?o normais com o novo modelo, mas que as pessoas, os pol?ticos e os partidos ir?o se acostumar.
'Acho que as pessoas questionam porque falta capacidade de tentar fazer alguma coisa diferente. ? muito mais c?modo fazer o que j? vinha sendo feito', criticou. 'Fica todo mundo numa zona de conforto, mas ? exatamente o que n?o deu certo nesse pa?s. Podia ter uma ou outra coisa que funciona, mas no geral ningu?m est? contente com esse modelo, um modelo que acarretou roubalheiras, desvios, deforma??es.'
APRENDIZADO
O cientista pol?tico Creomar de Souza, da Universidade Cat?lica de Bras?lia, avalia que o modelo que Bolsonaro tenta imprimir ainda mesmo antes de assumir o governo ? um esfor?o em uma nova l?gica de administra??o p?blica e reparti??o do poder, e que os dois lados, Executivo e Legislativo, v?o iniciar um aprendizado de conviv?ncia.
'? um modelo que ainda n?o est? consolidado. ? um ensaio, um esfor?o de uma nova l?gica. Os parlamentares tamb?m v?o ter que aprender a lidar com o governo. O governo ? novo e o Congresso tamb?m. S?o 243 parlamentares de primeira viagem. Qual dos dois lados vai ter curva de aprendizagem maior, vai ter seus interesses mais atendidos', disse.
Ao assumir o risco de montar um primeiro escal?o sem consultar as bases partid?rias, o governo n?o sabe como essa troca com os partidos se dar?, e ter? que assumir riscos de tomar decis?es dif?ceis sem saber o resultado final, avaliou.
Para Creomar, ? preciso dar tempo para se saber como isso vai caminhar.
'? medida que o governo avance vamos poder verificar pontos de atrito e como v?o ser resolvidos, com mais ou menos atrito. Dentro e fora do pr?prio governo', afirmou.
Creomar identifica pontos de tens?o dentro do pr?prio governo, com poss?veis disputas entre um modelo econ?mico liberal e grupos que t?m outras vis?es de Estado.
'A gente n?o sabe, por exemplo, como esses militares que s?o egressos da vida de Estado e v?o passar a ter vida de governo v?o lidar com pessoas que t?m experi?ncia profissional como Guedes, mas que n?o t?m experi?ncia da coisa p?blica', argumentou.
Hoje discretos, conflitos sobre pol?ticas p?blicas j? surgiram, por exemplo, na inten??o da equipe econ?mica de enxugar o Estado, com mais privatiza??es, e a resist?ncia de setores militares em abrir m?o de ?reas consideradas estrat?gicas.
'H? um governo com uma agenda liberal cercado por um grupo que quer um peda?o da coisa p?blica para eles, al?m de grupos de apoio ao governo altamente conservadores e corporativistas', lembrou o cientista pol?tico.
Escrito por Redação
SALA DE BATE PAPO