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ESPECIAL-Com economias dependentes, Brasil e Argentina tentam superar desconfianças

Placeholder - loading - Homem coloca bandeiras de Brasil e Argentina durante reunião da OMC em Buenos Aires em 2017 10/12/2017 REUTERS/Marcos Brindicci
Homem coloca bandeiras de Brasil e Argentina durante reunião da OMC em Buenos Aires em 2017 10/12/2017 REUTERS/Marcos Brindicci

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Por Lisandra Paraguassu

BRAS?LIA (Reuters) - Passados poucos dias ap?s a posse de Alberto Fern?ndez, o futuro das rela??es entre Argentina e Brasil --hoje em campos ideol?gicos opostos-- ? uma inc?gnita sob muitos aspectos, mas entre empres?rios e diplomatas h? uma certeza: amigos ou n?o, brasileiros e argentinos ter?o que engolir dissabores e trabalhar juntos dado o tamanho do com?rcio entre os dois pa?ses.

'Eu sempre brinco que n?s chamamos os argentinos de 'hermanos' n?o ? ? toa: irm?o a gente n?o escolhe, mas tem que aguentar', conta o consultor Welber Barral, da BMJ Consultoria --ex-secret?rio de com?rcio exterior do Minist?rio do Desenvolvimento, Ind?stria e Com?rcio.

A brincadeira traduz a rela??o de quase depend?ncia entre Brasil e Argentina, em que se um lado espirra, o outro fica doente. A crise econ?mica grave no pa?s vizinho n?o ? causa da crise no Brasil, mas ajuda a reduzir a velocidade da recupera??o econ?mica brasileira.

Este ano, o pa?s vizinho importou cerca de 9 bilh?es de d?lares do Brasil at? novembro, o menor valor desde 2005 e cerca de 37% menos do que no ano passado. Ainda assim, a Argentina ? o terceiro maior parceiro comercial do Brasil e o maior importador de produtos manufaturados, especialmente na ?rea de automotivos e metalurgia, um mercado que as empresas brasileiras n?o t?m condi??es de abrir m?o.

'A Argentina sempre foi considerada um parceiro primordial para a ind?stria brasileira, n?o s? pela proximidade, mas pela complementariedade das nossas economias e pelas facilidades que foram trazidas pelo Mercosul', explica Carlos Eduardo Abijaodi, diretor de Desenvolvimento Industrial da Confedera??o Nacional da Ind?stria.

'Hoje, a intera??o entre nossas ind?strias ? essencial para as nossas exporta??es, tanto para o Brasil quanto para a Argentina. Existe ent?o o interesse do setor privado dos dois pa?ses que essa rela??o comercial e industrial se mantenha.'

Diplomatas e fontes da ind?stria, falando sob anonimato pela delicadeza do tema, admitem que a tens?o ideol?gica entre os dois pa?ses na esfera pol?tica pode embaralhar a rela??o comercial, mas menos pelas cr?ticas m?tuas e mais pelas vis?es opostas em determinadas quest?es, especialmente relacionadas a abertura comercial, que atingem o Mercosul.

Uma das fontes ouvidas pela Reuters analisa que ? natural ao novo governo argentino adotar as pol?ticas que conhece, com uma vis?o mais assistencial na ?rea social, mais intervencionista na economia e mais protecionista no com?rcio. Lembra que o novo governo n?o est? 'inventando dificuldades econ?micas', ao contr?rio. N?o h? d?vida, no entanto, que essa nova vis?o ter? um contraste com o pensamento econ?mico hoje no Brasil.

'O quanto vai ser esse contraste est? ainda para ser definido. Ter? consequ?ncias a partir de quanto de protecionismo a Argentina vai adotar. Isso vai ter maior ou menor influ?ncia na rela??o direta com o Brasil', explica a fonte, que acompanha de perto a rela??o entre os dois pa?ses. 'E que efeito vai ter nas negocia??es externas do Mercosul. O novo governo pode resistir a mais acordos ou acelerar acordos.'

A fonte lembra, no entanto, que a economia fragilizada na Argentina j? havia feito o pr?prio ex-presidente Maur?cio Macri a adotar algumas medidas menos liberais que sua cartilha inicial, como controle do c?mbio e uma resist?ncia a uma acelera??o da revis?o da Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul.

A postura dos argentinos no Mercosul ? uma das principais preocupa??es do governo brasileiro, que quer tocar rapidamente em 2020 as mudan?as na TEC e a confirma??o do acordo comercial com a Uni?o Europeia e o Efta.

Um diplomata que acompanha as negocia??es no bloco lembra que a gest?o interna era complicada no governo de Cristina Kirchner, que antecedeu Macri e hoje ? a vice de Fern?ndez.

'N?o temos ainda como saber, mas a gest?o cotidiana era bastante dif?cil. Pode ficar complicado se eles criarem caso para aprovar coisas de interesse do Brasil, ou com a TEC', disse.

Outro temor do governo brasileiro ? a volta da demora na aprova??o das licen?as de importa??o n?o autom?tica, mecanismo usado pelo governo Kirchner para controlar a sa?da de d?lares do pa?s e que afetava diretamente os exportadores brasileiros.

A fonte admite, no entanto, que os sinais ainda n?o est?o claros e, por enquanto, o governo brasileiro trabalha na fase de hip?teses.

Algumas medidas anunciadas por Fern?ndez internamente s?o vistas como preocupantes pela tend?ncia mais intervencionista, mas n?o afetam diretamente o Brasil. E a primeira reuni?o do grupo gestor do Mercosul, em que as diferen?as podem surgir, est? marcada apenas para 18 de fevereiro do pr?ximo ano.

Futuro embaixador de Fern?ndez no Brasil, o empres?rio Daniel Scioli --que teve seu agr?ment aprovado pelo Itamaraty na semana passada--, diz que a Argentina n?o vai exigir mudan?as no acordo com a Uni?o Europeia, mas vai trabalhar junto com o Brasil e os demais pa?ses.

'A Argentina quer se abrir de forma inteligente ao mundo, para se tornar mais competitiva, mas nos abrirmos prestando muita aten??o porque o efeito da pol?tica anterior foi devastador ao nosso setor industrial. Caiu em 50% a produ??o e fecharam 50 empresas por dia nos ?ltimos anos', afirmou.

Scioli explica que em visita ao Brasil j? conversou com o vice-presidente Hamilton Mour?o sobre uma agenda comum entre os dois pa?ses.

'Vamos trabalhar em uma agenda. Estamos conversando com os investidores brasileiros na Argentina, os argentinos no Brasil, com empres?rios, para conseguir levar tranquilidade e confian?a aos investidores', disse.

POL?TICA

Para al?m da economia, um dos riscos apontados com quem lida com o com?rcio no dia a dia ? a contamina??o das negocia??es t?cnicas pela pol?tica. A m? vontade do presidente brasileiro com Alberto Fern?ndez s? n?o deixou a situa??o pior entre os dois pa?ses porque o argentino desistiu de responder ?s provoca??es.

Durante a campanha eleitoral no pa?s vizinho, Bolsonaro por diversas vezes quebrou a regra n?o escrita da diplomacia ao falar mal de Fern?ndez e tentar crescer a ideia de que com sua elei??o a Argentina se transformaria em uma nova Venezuela. Depois de responder uma vez, o ent?o candidato passou a ignorar as diatribes bolsonaristas.

Recentemente, o presidente brasileiro amainou o tom, disse torcer para que a Argentina melhorasse, lembrou a interliga??o comercial dos dois pa?ses e chegou a dizer que Fern?ndez seria bem-vindo se quisesse visitar o Brasil --o convite n?o chegou a ser formalizado.

Mas, esta semana, voltou ? carga no Twitter ao criticar as recentes medidas econ?micas anunciadas pelo novo governo e insinuar que os argentinos poderiam come?ar a migrar para o Brasil, em uma di?spora semelhante ? venezuelana.

Perguntado sobre se as diverg?ncias ideol?gicas poderiam interferir no relacionamento comercial entre os dois pa?ses, o futuro embaixador de Fern?ndez em Bras?lia negou.

'N?o. Manteremos a identidade de cada governo. H? uma necessidade m?tua de buscar as oportunidades, a complementa??o das nossas economias. Como disse o pr?prio presidente Bolsonaro, ? o pragmatismo. E temos que respeitar a vontade popular e a institucionalidade de ambos os lados', defendeu.

De acordo com uma fonte da ?rea empresarial, o recado que tem sido dado pela ala econ?mica e diplom?tica do governo ? de que se desconsidere esses arroubos presidenciais porque, na pr?tica, o governo continuar? negociando para que os interesses brasileiros sejam atendidos.

'Claramente o come?o n?o foi dos melhores. Outros presidentes tinham um relacionamento mais fluido, mas um relacionamento com a Argentina ? inevit?vel e n?o se consegue alterar essa realidade', disse Welber Barral, acrescentando que as ?reas t?cnicas certamente continuar?o trabalhando como sempre, sem levar em conta as crises pol?ticas. 'Tamb?m n?o acho que Fern?ndez v? ser um problema.'

Escrito por Reuters

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