ESPECIAL-Da cadeia, Lula usa força política para projetar eleição
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Por Lisandra Paraguassu
CURITIBA (Reuters) - Anoitecia, eram 19h e os term?metros marcavam 10 graus em Curitiba, mas apesar do frio cerca de 70 pessoas se reuniam para o ?ltimo ato do dia: dar boa noite ao ex-presidente Lula, em apenas mais uma mostra de que, mesmo preso h? mais de quatro meses, o petista n?o deixou de estar no centro de uma elei??o que o pa?s vai decidir mais dividido do que nunca.
Condenado a 12 anos e 1 m?s e preso desde abril, Luiz In?cio Lula da Silva tem pouco contato com o mundo exterior. Ainda assim, da cela espartana de 15 metros quadrados no 4? andar da Superintend?ncia da Pol?cia Federal, na capital paranaense, sua voz se faz ouvir.
Bilhetes e recados do ex-presidente chegam, especialmente ? c?pula do PT, em momentos decisivos. Foi de sua cela em Curitiba que Lula definiu a estrat?gia de isolamento do candidato ? Presid?ncia da Rep?blica pelo PDT, Ciro Gomes, e ungiu o ex-prefeito de S?o Paulo Fernando Haddad como seu substituto, no caso de uma prov?vel impugna??o de sua candidatura.
Nos dias que antecederam a conven??o do PT que sacramentou Lula como candidato e Haddad como seu vice, as disputas internas do partido alcan?aram seu ?pice. Grupos divergentes questionavam se o ex-prefeito de S?o Paulo seria o nome ideal para ocupar o lugar que deve ser deixado vago com a prov?vel impugna??o da candidatura de Lula.
O ex-presidente segue na lideran?a das pesquisas de inten??o de voto. Esta semana, o Datafolha deu a Lula a lideran?a com 39 por cento das inten??es de voto, e o Ibope, 37 por cento. Mas, por ter sido condenado em segunda inst?ncia por corrup??o e lavagem de dinheiro no processo do tr?plex do Guaruj? (SP), o ex-presidente deve ter sua candidatura barrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) devido ? Lei da Ficha Limpa.
Pessoas pr?ximas ouvidas pela Reuters contaram que at? o ?ltimo minuto Lula n?o acreditava realmente que seria preso. Ao ser levado para Curitiba, o ex-presidente deixou para tr?s uma boa dose de incertezas.
'Mais de uma vez ele chegou a dizer a Haddad que ele se preparasse porque poderia ter de assumir (a candidatura). Mas ele nunca deixou isso claro para o partido', contou uma das fontes.
Por tr?s do discurso de levar a candidatura Lula at? o fim, o partido estava em guerra pelo lugar de 'Plano B'. Parte acatava a ideia Haddad, parte brigava para convencer o ex-governador da Bahia Jaques Wagner a aceitar o encargo, e um terceiro grupo come?ava a ver na presidente do partido, senadora Gleisi Hoffmann (PR), uma alternativa.
No 4? andar da Superintend?ncia da PF, Lula recebeu o n?o de Jaques Wagner, elogiou Gleisi, mas avaliou que n?o era o momento da presidente do PT, e manteve a ideia que Haddad era ainda a melhor op??o.
Poucas horas antes do prazo final para que o partido indicasse um candidato ? vice na chapa eleitoral, a Executiva ainda discutia o que fazer e tentava convencer o PCdoB a aceitar uma alian?a sem um lugar formal na composi??o eleitoral, quando chegou ?s m?os de Gleisi mais uma carta de Lula.
Ali, o presidente determinava que Haddad era o melhor nome, e o partido deveria fazer o poss?vel para ter o PCdoB como aliado. O texto, na caligrafia do ex-presidente, assinado por ele, passou de m?o em m?o e selou a decis?o.
'Foi a carta do presidente que acalmou os ?nimos e deu o rumo que estava faltando', contou uma fonte.
Com a carta de Lula e a promessa de Haddad que entregaria o posto de vice a Manuela D'?vila, do PCdoB, caso a candidatura de Lula fosse confirmada, chegou-se a um acordo, pouco antes da meia-noite do dia 6 de agosto.
Das v?rias fontes ouvidas pela Reuters, ningu?m sabe contar como aquela carta chegou ? Executiva na noite de um domingo. 'Estava com algu?m que recebeu a instru??o de entreg?-la quando fosse necess?rio, mas n?o sei quem a guardou', disse uma fonte.
ROTINA
Escrever, para o partido e para o mundo exterior, tem sido um dos passatempos do ex-presidente, que tenta manter na pris?o uma rotina constante.
Lula acorda cedo. Quando os agentes chegam com seu caf? da manh?, por volta das 7h, o presidente j? est? acordado, vestido, lendo, contou uma fonte que acompanha essa rotina. Costuma comer o que a PF lhe serve sem reclamar -- de manh?, caf?, suco e p?o com manteiga. Recebe os agentes de bom humor, conta hist?rias e piadas.
Durante o dia, quando n?o recebe visitas --pelo menos um de seus advogados passa para v?-lo todos os dias, com exce??o dos fins de semana--, o presidente l?, v? televis?o e escreve. 'Ele tem escrito muito. S?o bilhetes, an?lises que ele faz de fatos atuais, cartas', contou uma fonte que costuma receber esse material para passar adiante aos destinat?rios. Parte desses textos tem aparecido nas redes sociais do ex-presidente com a hashtag 'recado do Lula'.
Acostumado a fazer exerc?cios, Lula conseguiu a autoriza??o, por quest?es m?dicas, para ter uma esteira em sua sala. Todos os dias, caminha pelo menos uma hora. Na quinta-feira, quando a Reuters esteve em Curitiba, recebeu o presidente da CUT, Vagner Freitas, enquanto caminhava na esteira, usando um casaco do sindicato dos metal?rgicos.
'Ele est? forte, como sempre. De bom humor', disse Freitas.
Lula chegou a Curitiba no dia 7 de abril, depois de dois dias de impasses no sindicato dos metal?rgicos em S?o Bernardo, em que parte dos seus apoiadores n?o queria que o petista se entregasse. E ele demorou para se apresentar. Levou consigo para a capital paranaense hordas de pessoas de todo o pa?s que ocuparam as ruas no entorno da Pol?cia Federal, acamparam nas cal?adas e iniciaram uma vig?lia que dura at? hoje, mais de quatro meses depois.
O n?mero constante de apoiadores caiu dos mais de 1 mil dos primeiros dias para algo entre 150 e 200, mas Lula nunca fica sozinho. Todos os dias, o ex-presidente ouve o bom dia, o boa tarde e o boa noite gritado em frente ? superintend?ncia. H? quem esteja acampado em Curitiba desde 7 de abril.
'Se Lula n?o sair, n?s n?o sa?mos. S? saio daqui quando Lula for solto', disse Adinaldo Aparecido Batista, 52 anos, o 'Batista do Megafone', nome com que foi candidato a vereador pelo PT em 2016. Mestre de obras desempregado, Batista pegou um ?nibus em Limeira, no interior de S?o Paulo, no dia da pris?o do ex-presidente. Desde ent?o, s? deixa o terreno da vig?lia para dormir em uma das casas alugadas na regi?o.
De chinelos apesar do frio e com um casaco emprestado, resume com clareza o porqu? da devo??o ao ex-presidente: 'Antes do governo Lula n?o tinha emprego. Agora, depois do governo Lula, tamb?m n?o tem mais emprego. Com ele eu cheguei a ter tr?s carros, consegui at? ser dono de uma pousada. Agora praticamente n?o tenho mais nada. Os carros vendi para poder comer.'
Ao lado de Batista, a professora aposentada Glic?ria Polak, 69 anos, se emociona ao dar mais um bom dia ao ex-presidente preso. Moradora de Curitiba, Glic?ria tamb?m chegou ao local no primeiro dia da pris?o de Lula e aparece por ali todos os dias em algum hor?rio.
? dessa fidelidade quase messi?nica que ainda vem a for?a do ex-presidente, uma lideran?a que o torna figura central nesta elei??o de 2018 mesmo quando n?o est? presente. Essa lealdade a Lula garante a ele quase 40 por cento das inten??es de voto no primeiro turno, e a vit?ria no segundo turno em qualquer cen?rio.
Uma for?a eleitoral que nenhum dos outros 12 candidatos que se apresentaram neste pleito conseguiu amealhar e que, mesmo impedido de concorrer, Lula ainda quer capitalizar para seu indicado.
SOLID?O
Acostumado a ter v?rios encontros por dia mesmo depois de ser j? ex-presidente, a impossibilidade de receber pessoas, conversar e fazer pol?tica ? o principal castigo de Lula na pris?o, contou ? Reuters uma pessoa pr?xima do ex-presidente.
'Ele ? uma pessoa que costuma receber sete, oito pessoas por dia. Ficar sem conversar ? uma tortura para ele', afirmou essa fonte.
A solid?o o abate mais nos finais de semana, quando Lula n?o pode receber ningu?m, nem mesmo os advogados. A?, contam, chama a cela de solit?ria e passa o dia vendo tev?.
Do lado de fora, a vig?lia segue nos s?bados e domingos para animar o presidente. Um desses dias, fizeram uma roda de viola. Na segunda-feira, Lula mandou dizer que tinha ouvido e gostado muito. 'Agora a gente sempre tenta fazer nos finais de semana, para ele saber que estamos aqui com ele', contou Rosane Silva, coordenadora do acampamento da vig?lia em frente ? PF.
Na cela especialmente montada para ele --um antigo dormit?rio usado por policiais federais que vinham a Curitiba em miss?o-- Lula tem mais liberdade que a maioria dos presos. A porta s? ? trancada a chave ? noite e nos finais de semana.
Todas as segundas-feiras, o ex-presidente recebe um l?der religioso. J? passaram por Curitiba um monge beneditino, um pai de santo, um pastor luterano, um rabino, um bispo da igreja episcopal anglicana, um monge budista, entre outros, e ainda existe uma fila de interessados em conversar sobre espiritualidade e temas mais mundanos com o ex-presidente.
'Ele ? cat?lico, mas n?o ? de ir ? missa. Tem uma f? muito forte herdada da m?e, dona Lindu. Ele preza muito esses contatos', contou o ex-ministro Gilberto Carvalho, um dos amigos mais pr?ximos de Lula e quem tem organizado as visitas religiosas.
Nas quintas-feiras, Lula recebe a fam?lia --normalmente, pelo menos tr?s dos cinco filhos e um dos irm?os passam o dia com o ex-presidente. Em um acordo com a Vara de Execu??es Penais, Lula encurtou a visita familiar em um hora para, no final do dia, poder receber amigos, em uma agenda ainda organizada pelo Instituto Lula, que recebe dezenas de pedidos semanais.
No in?cio do m?s, quando a Reuters acompanhou o dia a dia em Curitiba, estiveram com Lula a australiana Sharan Burrow, diretora-geral da Conf?d?ration Syndicale Internationale, junto com Freitas, da CUT.
Vindo de Seul, o ex-presidente da Confedera??o de Sindicatos da Coreia do Sul Han Sang-gyun --ele mesmo libertado h? pouco mais de dois meses da pris?o depois de ser acusado de liderar 'protestos violentos'-- tamb?m tentou. Trouxe de presente um retrato de Lula entalhado em madeira, mas n?o conseguiu entrar no hor?rio de visita.
A lista de pedidos de visita ? extensa e, nesse momento, precisaria de pelo menos seis meses para zer?-la, com apenas dois visitantes permitidos por semana.
FAZENDO POL?TICA
No ?ltimo m?s, o ex-presidente conseguiu colocar na sua lista de advogados a presidente do PT e Fernando Haddad, o que os retirou da lista de visitantes e permitiu acesso especial ao ex-presidente.
A manobra irritou o Minist?rio P?blico, que entrou com um pedido para conter as visitas, alegando que Lula est? driblando a lei e fazendo pol?tica de dentro da pris?o.
De fato, o expediente permitiu a Lula intensificar as negocia??es pol?ticas e facilitou sua coordena??o, mesmo que ? dist?ncia, das quest?es ligadas a sua candidatura. Foi ele quem implodiu, de dentro de sua cela em Curitiba, a tentativa de acordo entre Ciro Gomes e o PSB.
Era a primeira semana de agosto, ?ltima que os partidos teriam para definir alian?as. Com a estrat?gia de manter a candidatura de Lula at? o final, o PT n?o conseguia convencer o PSB a abra?ar uma alian?a com um candidato que possivelmente n?o estaria na urna e caminhava para um acordo com o PDT, de Ciro Gomes.
De Curitiba, por meio de uma conversa com Haddad, vieram as instru??es: o PT deveria retirar a candidatura ao governo de Pernambuco da vereadora Mar?lia Arraes e apoiar o atual governador, Paulo C?mara (PSB), se os socialistas se comprometessem com a neutralidade na disputa nacional.
A determina??o causou uma crise interna no partido, reclama??es p?blicas de Mar?lia Arraes, que terminou, mais uma vez, com um recado de Lula aos insatisfeitos: Mar?lia teria o apoio para tentar uma vaga na C?mara dos Deputados e teria sua vez daqui a quatro anos.
Foi Lula tamb?m que, no in?cio do m?s, conseguiu contornar mais uma crise petista. Mesmo com Haddad apontado como seu vice e poss?vel substituto, o PT ainda brigava internamente entre os que queriam que a campanha come?asse imediatamente a expor o ex-prefeito e aqueles que pretendiam escond?-lo o m?ximo poss?vel sob a alega??o de que sua exposi??o passaria a ideia de que o partido j? tinha desistido da candidatura Lula.
O ex-presidente aproveitou a visita do presidente da CUT, Vagner Freitas, e mandou um recado: Haddad ? seu porta-voz e vai viajar por ele. No dia seguinte, Haddad e Gleisi se reuniram por mais de tr?s horas com Lula. O recado foi repetido: Haddad far? a campanha por Lula, porque assim o ex-presidente determinou.
'O PT sempre precisou muito de Lula. Mas agora, mais do que nunca', disse uma fonte do partido.
Escrito por Redação
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