ESPECIAL-De produtores peruanos a vendedores em Paris, coronavírus vira comércio de drogas de cabeça para baixo
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Por Gabriel Stargardter e Drazen Jorgic
RIO DE JANEIRO/CIDADE DO M?XICO (Reuters) - Muitos pa?ses do mundo gastaram bilh?es de d?lares para resgatar neg?cios afetados pela pandemia de coronav?rus. Produtores peruanos da folha de coca, a planta usada para fazer coca?na, dizem que tamb?m querem ser ajudados.
O pre?o das folhas de coca vendidas para traficantes de drogas caiu 70% desde que o Peru entrou em isolamento no m?s passado, segundo Julian P?rez Mallqui, chefe da organiza??o local de cultivadores.
Ele afirmou que seus membros pertencem ao mercado de coca legal e rigidamente regulamentado no Peru, mas reconheceu que alguns produtores trabalham no mercado ilegal. Autoridades peruanas dizem que mais de 90% da colheita de coca do pa?s acaba nas m?os de traficantes que agora est?o em dificuldades para transportar o produto.
Com a turbul?ncia no setor, o grupo de P?rez est? desenhando um plano para pedir que o governo compre o excedente da produ??o de coca.
O Peru 'tem que definir uma estrat?gia clara de interven??o para a coca', disse P?rez. 'Estamos t?o ferrados quanto todos os outros.'
Um porta-voz da ag?ncia antidrogas do Peru afirmou que o governo pode canalizar mais verba de aux?lio ao desenvolvimento das ?reas mais afetadas.
A pandemia de coronav?rus colocou de cabe?a para baixo v?rias ind?strias ao redor do mundo. O com?rcio internacional de narc?ticos n?o foi poupado. Dos terrenos comandados por cart?is ao longo da fronteira entre Estados Unidos e M?xico e os campos de coca nos Andes aos vendedores de rua em Londres e Paris, traficantes est?o enfrentando alguns dos mesmos problemas de neg?cios legais.
Em tr?s continentes, a Reuters conversou com mais de duas dezenas de agentes da lei, especialistas em narc?ticos, diplomatas e pessoas envolvidas no com?rcio ilegal. Eles descreveram um neg?cio que passa por cadeias de fornecimento quebradas, atrasos nas entregas, trabalhadores descontentes e milh?es de clientes em isolamento. Tamb?m deram uma amostra da inova??o --e oportunismo-- que s?o marcas do submundo.
Cecil Mangrum, detetive de narc?ticos do Departamento de Pol?cia de Los Angeles, disse que um informante recentemente recebeu uma liga??o de um contato mexicano oferecendo 11 quilos de metanfetamina por 3.200 d?lares o quilo. ? mais do que o triplo do pre?o de algumas semanas atr?s e o valor mais alto pelo estimulante que ele viu em uma d?cada de opera??es contra o tr?fico.
'Gostaria que houvesse um site em que voc? pode denunciar cart?is por aumento abusivo de pre?os, porque esses valores s?o rid?culos', disse Mangrum.
A Am?rica Latina ? o epicentro do com?rcio global de drogas estimado em 650 bilh?es de d?lares por ano, segundo o Global Financial Integrity, um centro de estudos com sede nos EUA. As gangues obt?m enormes lucros produzindo e transportando coca?na, maconha, metanfetamina, hero?na e fentanil, vendidos ao redor do mundo.
Os problemas tendem a ter vida curta, dizem alguns especialistas antinarc?ticos. Os cart?is j? provaram que s?o h?beis em superar obst?culos. A pandemia em algum momento diminuir?, as rotas de com?rcio ser?o reabertas, os clientes e vendedores sair?o de suas casas.
Ainda assim, o coronav?rus conseguiu fazer o que autoridades do mundo inteiro n?o conseguiram: retardar o narcotr?fico global quase da noite para o dia e infligir um certo n?vel de dor em todos que participam dele.
No M?xico, o cartel de Sinaloa encarou muitas amea?as ao longo dos anos, incluindo a pris?o do seu ex-l?der Joaqu?n 'El Chapo' Guzm?n. Mas nunca uma como a pandemia de coronav?rus.
As perturba??es ao com?rcio global elevaram os pre?os de subst?ncias importadas como a efedrina, necess?ria para a produ??o de metanfetamina, uma das principais pe?as do imp?rio de narc?ticos da organiza??o.
Enquanto isso, o fechamento parcial da fronteira entre M?xico e Estados Unidos para diminuir a dissemina??o do v?rus complicou a distribui??o, de acordo com dois membros do cartel de Sinaloa que conversaram com a Reuters.
'Com a fronteira fechada, estamos tendo problemas para cruz?-la', disse uma das pessoas, que ajuda a produzir o opi?ide sint?tico fentanil para o cartel.
Milhares de quil?metros ao sul, no Brasil, fac??es do tr?fico de drogas enfrentam problemas similares de distribui??o. No porto de Santos, ponto de envio de uma por??o significativa de coca?na sul-americana em dire??o ? Europa, as apreens?es ca?ram 67% no m?s passado em compara??o com mar?o de 2019, segundo a Receita Federal.
O delegado Ciro Moraes, chefe da Pol?cia Federal em Santos, disse que ? um sinal de que os traficantes est?o passando por sua pr?pria 'recess?o', gra?as ? Covid-19.
'Prejudica os neg?cios', disse, mesmo que temporariamente.
IMPASSE MEXICANO
Os Estados Unidos s?o o principal parceiro comercial do M?xico e o maior consumidor de suas drogas ilegais. No ano passado, cerca de 950 mil pessoas entraram nos Estados Unidos diariamente, a p? ou em ve?culos, por meio de d?zias de pontos de checagem na fronteira com 3.145 quil?metros de extens?o, segundo a ag?ncia de Alf?ndega e Prote??o de Fronteiras dos EUA.
A maioria das drogas ? contrabandeada em carros de passageiros que passam por vistorias muito menores que caminh?es comerciais, dizem analistas de seguran?a. O fechamento da fronteira em 21 de mar?o para todas as viagens n?o essenciais representou um duro golpe nesta engrenagem.
'Tudo parou na fronteira', disse o produtor de fentanil do cartel de Sinaloa que conversou com a Reuters.
Os pre?os no atacado subiram por volta de 10% nas ?ltimas semanas, acrescentou. Um quilo de fentanil vendido no atacado por sua organiza??o para um comprador de drogas em Sinaloa sai por aproximadamente 490 d?lares, disse, mas esse pre?o pode subir para 50.000 d?lares o quilo se for entregue em Nova York.
As mat?rias-primas tamb?m est?o atormentando o cartel. Fentanil e metanfetamina, que matam dezenas de milhares de norte-americanos todos os anos, s?o feitos com subst?ncias muitas vezes fabricadas na China, na ?ndia e na Alemanha, dizem autoridades do M?xico e dos Estados Unidos.
O fechamento de f?bricas, a redu??o de funcion?rios, as demoras das remessas e controles mais r?gidos de fronteiras ao longo de toda a cadeia de suprimentos criaram uma escassez. Um produtor de metanfetamina do cartel de Sinaloa disse ? Reuters que a pandemia levou a um aumento de tr?s vezes no valor de alguns ingredientes, o que pressiona as margens de lucro.
Sete agentes antidrogas nos Estados Unidos, incluindo tr?s da ag?ncia de combate ?s drogas DEA, descreveram um mercado de drogas inst?vel no pa?s.
A metanfetamina foi a mais afetada, com metade dos escrit?rios locais da DEA registrando aumentos de pre?os, afirmou uma fonte s?nior da DEA com conhecimento da avalia??o nacional da ag?ncia sobre os impactos causados pelo coronav?rus.
Os suprimentos de fentanil, maior causa de mortes por overdose nos EUA, parecem estar est?veis, disseram v?rias autoridades.
John Callery, agente especial no comando do escrit?rio da DEA em San Diego, afirmou que o pre?o das drogas em seu setor subiu aproximadamente 20% no geral, exceto pela metanfetamina, cujo valor mais do que dobrou nas ?ltimas duas semanas, para at? 2.000 d?lares por 1 libra (450 gramas). O aumento abusivo de pre?o pode ser o culpado, disse.
Em cidades com isolamentos mais frouxos contra o coronav?rus, a atividade il?cita ? mais resistente, disse a pol?cia.
Em Houston, os mercados de drogas est?o resistindo bem porque os traficantes ainda tinham grandes estoques, afirmou o tenente Stephen Casko, do Departamento de Pol?cia de Houston. 'Quando essas reservas se esgotarem, voc? come?a a sentir o estresse', disse.
Jerome Washington, sargento do gabinete do xerife de El Paso, no Texas, afirmou que a queda de tr?fego de ve?culos fez com que os traficantes diminu?ssem o n?mero de tentativas de atravessar drogas pela fronteira.
'Eles est?o sendo mais seletivos', disse Washington. '? um jogo de n?meros: mais carros nas ruas, mais carros que voc? pode enviar para que se misturem.'
Os cart?is parecem estar procurando transportes alternativos, disseram autoridades dos EUA. H? sinais de que as gangues est?o movendo mais produtos pelos t?neis que atravessam a fronteira, segundo uma autoridade s?nior da alf?ndega. Mais drones e avi?es ultraleves avistados na fronteira sugerem que as quadrilhas est?o intensificando as entregas a?reas, acrescentou.
'A t?tica de contrabando mudou', disse a autoridade. Traficantes 'v?o por cima ou por baixo'.
Levar o dinheiro das drogas de volta para o M?xico tamb?m tem se provado uma dor de cabe?a, dizem agentes antidrogas.
Em Los Angeles, os cart?is lavam lucros il?citos por meio de lojas no distrito de roupas da cidade, segundo um investigador da DEA na Calif?rnia. O rendimento das vendas de drogas nos EUA dirigem-se ao sul como bens dom?sticos exportados que os cart?is vendem no M?xico para receber o dinheiro, disse a ag?ncia. Mas o fechamento de neg?cios n?o essenciais na Calif?rnia impediu esse esquema, afirmou o investigador da DEA.
'TUDO PARALISADO'
A Am?rica do Sul estava inundada de coca?na muito antes de qualquer um ter ouvido falar da Covid-19. A produ??o recorde dos ?ltimos anos pesou nos pre?os. As gangues intensificaram as exporta??es, disseram as autoridades, transportando quantidades sem precedentes para mercados de longa data nos Estados Unidos e na Europa e tamb?m cultivando novos clientes no Oriente M?dio e na ?sia.
No Reino Unido, as apreens?es de coca?na no ano financeiro de 2018/19 chegaram a 9,65 toneladas, o maior total desde o in?cio dos registros, em 1973, e um crescimento de quase 200% em compara??o com 2017/18, disse o Minist?rio do Interior brit?nico.
No Peru, segundo maior produtor do mundo atr?s da Col?mbia, o isolamento nacional para atacar o v?rus funcionou como um bot?o de desligar para o esquema de transporte de coca?na, segundo Miguel ?ngel Ram?rez V?squez, membro da pol?cia antidrogas do Peru. Com as fronteiras fechadas, voos reduzidos e estradas mais rigorosamente patrulhadas, ele afirma que as quadrilhas est?o com problemas para mover as drogas.
'Tudo est? paralisado. Ningu?m est? comprando e ningu?m est? vendendo', disse Ram?rez.
Entre as ?reas mais afetadas est? o vale dos rios Apur?mac, Ene e Mantaro. Conhecida como VRAEM, a regi?o produz por volta de 43% da colheita de 50.000 hectares do Peru, segundo o Escrit?rio das Na??es Unidas sobre Drogas e Crime. P?rez, representante dos cultivadores de coca, disse que quase toda a regi?o com 500.000 pessoas vive da colheita.
A Companhia Nacional de Coca (Enaco), administrada pelo Estado, compra coca para farmac?uticos e bebidas por pre?os abaixo do que os traficantes de drogas costumam pagar. No entanto, estima-se que 93% da colheita do Peru ? convertida em coca?na, disse a Enaco.
P?rez disse que seu grupo, conhecido como Fepavrae, est? discutindo maneiras de fazer com que a Enaco compre o excedente de coca. Ele se recusou a compartilhar detalhes.
'? uma discuss?o interna da organiza??o', disse. 'Estamos trabalhando nisso.'
Christian Galarza, diretor-geral da Enaco, afirmou que n?o ficou sabendo do plano interno da Fepavrae. Mas n?o ficou surpreso.
'Por causa da situa??o do coronav?rus, todo mundo tem que ser criativo e encontrar alternativas', disse. Ainda assim, ele afirmou que ? improv?vel que a Enaco, que tem vendas anuais de aproximadamente 10 milh?es de d?lares, possa ajudar muitos dos afetados.
'Se houver um produtor de coca... que esteja vendendo ilegalmente, n?o podemos trabalhar com ele', disse Galarza. 'Se eles v?o para o outro lado, ? dif?cil, eles cruzaram a linha.'
Rub?n Vargas, chefe da ag?ncia antidrogas do Peru, tamb?m n?o estava ciente do plano dos produtores de coca.
Ele disse que sua ag?ncia j? planejou um or?amento equivalente a aproximadamente 20 milh?es de d?lares este ano para projetos de desenvolvimento rural no VRAEM e pode fornecer mais ajuda ?s ?reas mais afetadas pela pandemia.
'Vamos trabalhar com todas as organiza??es e produtores que tiverem propostas adicionais dentro dos par?metros desta emerg?ncia que estamos vivendo', disse.
Ram?rez, o policial antidrogas, ficou perplexo com o plano dos produtores.
'Quando as coisas est?o indo bem, eles vendem para traficantes; quando est?o indo mal, esticam a m?o em busca de ajuda do governo', disse. 'O que eles acham que est?o cultivando? Abacaxis?'
PRESS?O NO FORNECIMENTO
No outro lado da fronteira, no Brasil, os traficantes enfrentam o problema oposto: o pre?o da coca?na subiu acentuadamente devido ? diminui??o do fornecimento, afirmou um policial federal sob condi??o de anonimato.
Ele afirmou que o pre?o no atacado por 1 quilo de coca?na subiu 40% para 20 mil reais nas ?ltimas semanas em Manaus, p?lo para o transporte de coca?na andina pelo Brasil at? a Europa.
Enquanto as drogas est?o se acumulando na Col?mbia e no Peru, 'aqui (no Brasil) o pre?o est? caro porque n?o tem produto', afirmou o policial federal.
No porto de Santos, o maior da Am?rica Latina, as apreens?es de coca?na com destino ? Europa diminu?ram, segundo Moraes, o chefe local da PF. Oficiais de alf?ndega apreenderam pouco mais de uma tonelada de coca?na em mar?o de 2020, em compara??o com tr?s toneladas no mesmo m?s do ano passado.
Moraes acredita que menos coca?na est? entrando no Brasil. Ele tamb?m suspeita que a demanda europeia est? menor, em parte porque os traficantes de l? est?o sofrendo para transportar o produto em meio ?s medidas de isolamento.
Na Fran?a, o fechamento de bares e locais de festas levou a uma queda no uso de drogas recreativas como coca?na, MDMA, cetamina e LSD, disse o Centro Franc?s de Monitoramento de Drogas e Toxicodepend?ncia (OFDT) em um relat?rio de abril examinando o impacto da pandemia no com?rcio il?cito de drogas no pa?s.
Traficantes t?m reagido rapidamente a esta nova realidade, disse o relat?rio, com alguns mantendo uma dist?ncia segura de clientes e at? vendendo 'desinfetantes para m?os, luvas e m?scaras'.
(Reportagem adicional de Mark Hosenball, em Washington; Andrew Hay, em Taos, Novo M?xico; Jesus Bustamente, em Culiac?n, M?xico; Lizbeth Diaz, na Cidade do M?xico; Michael Holden, em Londres; Francesco Guarascio, em Bruxelas; David Lewis, em Nair?bi; Marco Aquino, em Lima; Daniela Desantis, em Assun??o; e Luis Jaime Acosta, em Bogot?)
Escrito por Reuters
SALA DE BATE PAPO