ESPECIAL-Empresas e agronegócio reagem com temor de retaliação diante de polêmica ambiental na Amazônia
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Por Lisandra Paraguassu
BRAS?LIA (Reuters) - A cole??o de imagens de desmatamentos e queimadas, al?m de declara??es e atos pol?micos do presidente Jair Bolsonaro e seus ministros, minaram a imagem do Brasil no exterior e j? levam a algumas das maiores empresas e associa??es de agroneg?cio do pa?s a reagirem por conta pr?pria para tentar diminuir o estrago.
O temor de uma retalia??o internacional aos produtos brasileiros, especialmente ao agroneg?cio, n?o ? infundado. Desde que as imagens das queimadas na Amaz?nia come?aram a correr o mundo, hashtags pedindo boicote aos produtos brasileiros circulam nas redes sociais.
Nesta sexta-feira, a Finl?ndia pediu que a Uni?o Europeia avalie a possibilidade de banir a carne bovina brasileira do Brasil, devido ?s not?cias de queimadas. De outro lado, o gabinete do presidente franc?s, Emmanuel Macron, disse tamb?m nesta sexta-feira que vai se opor ao acordo UE-Mercosul, posi??o semelhante ? da Irlanda.
Nas ?ltimas semanas, alguma rea??o das empresas j? come?ou. A Marfrig, segunda maior produtora de carne bovina do mundo, publicou um an?ncio exaltando ter sido capaz de emitir 500 milh?es de d?lares em b?nus de transi??o, pap?is emitidos como instrumento para financiar projetos de mitiga??o ambiental. No an?ncio, destaca que seus fornecedores precisam respeitar ?reas protegidas e compromisso contra o desmatamento.
Ao receber um pr?mio h? cerca de 10 dias, o presidente da Suzano, Walter Schalka, afirmou que o setor de papel e celulose precisa 'levantar a voz' e defender o fim do desmatamento da Amaz?nia. 'Nosso setor n?o ? de florestas e sim de ?rvores. 100% das empresas do setor s? colhem as ?rvores que plantaram e n?o usam floresta nativa. Mas pode haver contamina??o negativa do setor por problema ambiental brasileiro', disse ao discursar para uma plateia de empres?rios.
Ex-ministro da Agricultura e um dos maiores empres?rios do agroneg?cio do pa?s, Blairo Maggi diz que ao longo dos anos a produ??o brasileira foi construindo uma confian?a e ganhou terreno por mostrar que a grande produ??o ? sustent?vel no pa?s.
'Agora estamos no inverso de tudo e tudo est? sendo contestado. E n?o ? uma coisa constru?da pelos produtores que mudaram de posi??o. N?s continuamos com as mesmas pr?ticas, o governo que mudou o discurso', disse.
'O risco ? que essas conquistas dos ?ltimos anos sejam ignoradas e se tenha que come?ar todo um trabalho de novo, e a? ser muito mais penoso.'
Presidente da associa??o Ind?stria Brasileira de ?rvores (Ib?), que congrega empresas da ?rea de papel e celulose, o ex-governador Paulo Hartung tamb?m refor?ou o temor de fechamento de mercados e desvaloriza??o dos produtos brasileiros no exterior pelo discurso do atual governo.
'Somos fortemente contra o desmatamento ilegal da Amaz?nia. Acreditamos no potencial de desenvolvimento da regi?o e do seu povo com modelos econ?micos sustent?veis que n?o dependem da altera??o da cobertura florestal', disse em nota enviada ? Reuters. 'Assim como outros empres?rios j? citaram, h? anos o Brasil vem construindo uma imagem internacional de conserva??o com produ??o e n?o podemos jogar fora esse trabalho. Vai custar caro ao Brasil reconquistar a confian?a de alguns mercados internacionais.'
O agroneg?cio brasileiro representa mais de 40% das exporta??es brasileiras. At? julho deste ano, de acordo com dados do Minist?rio da Agricultura, foram exportados 56,6 bilh?es de d?lares. Em 2018, os valores foram recordes, a 101,7 bilh?es de d?lares.
COMPETI??O
S?o os alimentos --em especial soja, prote?na animal e seus derivados--, que ajudaram a colocar o Brasil no mapa mundial das exporta??es. Hoje, o pa?s ? um dos maiores players no setor de alimentos, o que atrai, obviamente, uma dura competi??o.
O consultor Welber Barral, da BMJ Consultoria --ex-secret?rio de com?rcio exterior do Minist?rio do Desenvolvimento, Ind?stria e Com?rcio--, lembra que existem muitos mecanismos para impor barreiras, especialmente as n?o tarif?rias, e a produ??o de alimentos ? um dos setores mais protegidos do mundo.
'Reais ou n?o, as a??es e as declara??es do governo d?o motiva??es para que soframos essas barreiras', diz Welber Barral, da consultoria BMJ, ex-secret?rio de Com?rcio Exterior do governo federal. 'Para construir um nome s?o 30 anos. Para acabar com ele s?o 5 minutos. Uma manchete que repercuta em uma cadeia de informa??o destr?i uma reputa??o.'
Cid Sanches, representante no Brasil da Certificadora RTRS --associa??o formada pelos integrantes da cadeia da soja-- corrobora a avalia??o.
'Voc? est? falando em confer?ncias sobre certifica??o e a? vem essas not?cias. Com o governo soltando essas p?rolas, pode perder essas oportunidades de neg?cios', defendeu.
A certifica??o da soja faz parte de um programa para garantir que o gr?o exportado n?o vem de ?rea desmatada, considerando tamb?m quest?es de sustentabilidade social.
Outros pa?ses tamb?m produzem soja certificada, o que significa que o programa, por si s?, n?o garante mercado ao brasileiro em uma conjuntura de desconfian?a, comentou Sanches.
'Pode at? gerar um movimento de avers?o ao produto do Brasil, por mais que sejamos certificados. Se pode comprar produto certificado na Argentina, por que ele vai comprar no Brasil?', questiona.
A Associa??o Brasileira das Ind?strias de ?leos Vegetais (Abiove), que representa o setor de soja, o principal produto de exporta??o do Brasil, lembrou que o segmento possuiu o programa Morat?ria da Soja, que monitora o plantio em ?reas desmatadas, 'garantindo o desmatamento zero h? mais de uma d?cada' na Amaz?nia. Com os controles da Morat?ria, as tradings n?o adquirem nem financiam produto de fazendas em que tenha sido detectado desmatamento.
DISCURSO E PR?TICA
Desde a campanha eleitoral, o discurso do presidente Jair Bolsonaro soa como m?sica para alguns produtores, mas arrepia ambientalistas e agora tamb?m os exportadores. Antes mesmo de assumir, Bolsonaro amea?ava tirar o Brasil do Acordo de Paris, que combate as mudan?as clim?ticas, e amea?ou unir o Minist?rio do Meio Ambiente ao da Agricultura. Foi convencido a mudar de ideia pela Frente Parlamentar da Agropecu?ria, que viu no movimento um enorme risco para o agroneg?cio brasileiro.
Na Presid?ncia, Bolsonaro mais de uma vez falou em facilitar licenciamentos ambientais, regularizar o garimpo em terras ind?genas, diminuir ?reas de prote??o ambiental. Recentemente, comprou briga com os governos da Alemanha e da Noruega, que financiavam a??es de preserva??o ambiental atrav?s do Fundo Amaz?nia --os dois pa?ses suspenderam o envio de recursos ao Brasil.
Esta semana, em que as imagens das queimadas na Amaz?nia correram o mundo, acusou as ONGs de terem colocado fogo na floresta para derrub?-lo, j? que lhes teria tirado recursos.
Em um dos movimentos considerados mais desastrados, questionou os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) sobre aumento do desmatamento, mandou demitir o diretor, rever os n?meros e declarou que quer receber primeiro os dados.
Ex-ministra do Meio Ambiente no governo Dilma Rousseff e uma das negociadoras das mudan?as no c?digo florestal que colocaram ambientalistas e produtores na mesma mesa, Izabella Teixeira lembra que a credibilidade que o Brasil construiu l? fora ? fruto de 35 anos de trabalho, desde a redemocratiza??o.
'Para ter credibilidade voc? precisa fazer certo, fazer com que as pessoas percebam que est? fazendo certo e ter sorte das coisas darem certo. O governo est? jogando fora as tr?s coisas', disse. 'O presidente parece que odeia a quest?o ambiental. Isso em um mundo em que as novas gera??es entendem a quest?o ambiental como um valor ?tico.'
Chamada inicialmente de 'miss motossera' por ambientalistas, a senadora K?tia Abreu (PDT-TO), ex-ministra da Agricultura e
ex-presidente do Confedera??o Nacional da Agricultura (CNA), diz que o governo est? dando muni??o aos competidores com
declara??es que considera estapaf?rdias.
'O governo brasileiro est? dando tiro p?, est? dando bala para o advers?rio. O europeu ? muito ligado nesta quest?o
ambiental. No mundo real, fake ou fato, ? o consumidor que temos que atender', diz, lembrando que a Uni?o Europeia ? o segundo
comprados de produtos alimentares do Brasil, perdendo apenas para a China. 'A atitude do governo Bolsonaro hoje ?
antimercado. O mercado valoriza hoje quem est? preocupado com a quest?o ambiental. 'Ah, a Europa tem interesses escusos.' Esse
discurso ? t?o velho!'
BARREIRAS 'TRAVESTIDAS'
Wellington Andrade, diretor-executivo da Aprosoja Mato Grosso, defende as posi??es de Bolsonaro, mas diz que se equivoca na maneira de defend?-las.
'Entendemos que o posicionamento do presidente ? correto, por?m a forma de comunica??o est? equivocada, destoada. Ele teria que ser mais claro em seu discurso sobre quest?es que dizem respeito estritamente ao desmatamento ilegal', defende.
Ainda assim, Andrade n?o acredita em risco de perdas de mercados, mas admite que o risco de aumento de barreiras existe.
'N?o acredito que vamos perder mercado de imediato, pela necessidade da prote?na que tem a Europa, que compra principalmente o nosso farelo (de soja). Mas voc? corre o risco de enfrentar barreiras comerciais travestidas de barreiras ambientais ou sanit?rias.'
J? Maggi diz que a ideia de que 'o mundo precisa do Brasil', usada muitas vezes pelos produtores, pode ser equivocada.
'N?s nos enganamos muito com isso. O mundo n?o depende da gente, n?s conseguimos espa?o porque somos competentes, temos pre?o competitivo. No mundo existem outras regi?es com as mesmas condi??es e que n?o s?o t?o competitivas hoje, mas isso pode mudar', defendeu.
A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, afirmou nesta sexta-feira que as not?cias sobre as repercuss?es das queimadas na Amaz?nia preocupam, mas que o agroneg?cio n?o pode ser responsabilizado.
'Vamos para a??o, vamos ver quem est? queimando, vamos punir quem precisa ser punido, quem est? fazendo a coisa errada', disse a ministra, acrescentando que antes de tomar qualquer tipo de medida ? preciso saber do Brasil o que est? acontecendo.
(Reportagem adicional de Ana Mano e Roberto Samora, em S?o Paulo; e Isabel Versiani, em Bras?lia)
Escrito por Redação
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