ESPECIAL-Evangélicos se articulam para aumentar representatividade política
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Por Ricardo Brito
BRAS?LIA (Reuters) - Sem as mesuras do cargo de ministro que ocupa nos dias de semana como direito a carro com motorista, o pastor Ronaldo Fonseca chegou dirigindo seu pr?prio autom?vel ? Assembleia de Deus de Taguatinga no principal dia de culto da sua igreja na manh? de um domingo de agosto. Fi?is j? acompanhavam a celebra??o conduzida por outros religiosos num templo grande, mas simples, com capacidade para 750 lugares e praticamente lotado.
O segmento evang?lico registra um forte aumento no pa?s, e essa parcela do eleitorado tem sido cada vez mais cobi?ada nas elei??es, com uma bancada que pretende crescer no Congresso Nacional no pleito deste ano. Fonseca estava l? para comandar o culto, mas n?o se furtou a falar de pol?tica.
?s 10h54, o pastor assomou ao centro do altar sozinho para pedir uma b?n??o ao 'amigo' pastor Pedro Leite e fazer uma tro?a: 'Pedro Leite ? candidato a deputado distrital. Estou t?o feliz, t?o feliz, porque hoje se encerra o prazo de coliga??o, quem vai ser candidato, e eu gra?as a Deus n?o estou nem a?', disse.
'Gl?ria a Deus!', replicaram os fi?is, un?ssonos.
'Quero que voc?s fiquem de p? e fa?am uma ora??o para ele. Ele vai ser candidato, sei que ? uma luta, ser candidato n?o ? f?cil, um homem de princ?pios crist?os, precisa realmente estar ali representando e defendendo os ideais crist?os', disse Fonseca.
Com as m?os levantadas em dire??o a Pedro Leite, os fi?is ouviram a s?plica de outro pastor para que Deus ajudasse o pastor a cumprir o prop?sito de chegar ? C?mara Distrital para que o governo de Bras?lia seja bem fiscalizado e que o homem de Deus possa realizar essa tarefa.
'Am?m!', replicou o p?blico.
Ronaldo Fonseca chegou ao Pal?cio do Planalto numa jogada do governo Michel Temer para, entre outros objetivos, tentar atrair o apoio dos evang?licos para a candidatura presidencial do ex-ministro Henrique Meirelles (MDB).
Nomeado no fim de maio, o ministro da Secretaria-Geral da Presid?ncia d? expediente no 4? andar do Pal?cio do Planalto nos dias de semana. Aos domingos, religiosamente celebra cultos de manh? e ? noite na igreja distante cerca de 27 quil?metros do centro de Bras?lia. Al?m disso, atua pelo projeto pol?tico de se manter influente com a elei??o de aliados evang?licos.
O ministro, deputado licenciado e pastor, ? um dos principais exemplos da atua??o dos evang?licos na pol?tica. Apesar de fortemente fragmentado em igrejas e diversos partidos das mais variadas matizes ideol?gicas, o grupo tem de modo geral uma causa em comum: a defesa de pautas conservadores, como posi??es contr?rias ? legaliza??o do aborto e uni?o entre pessoas do mesmo sexo.
A participa??o do segmento no Congresso vem crescendo desde antes da Constitui??o de 1988, mas, apesar da agenda do grupo sempre ganhar resson?ncia nos meios de comunica??o, est? aqu?m da representatividade do segmento na popula??o brasileira.
O ?ltimo censo demogr?fico do pa?s de 2010, portanto bastante defasado, aponta que os evang?licos s?o 42,2 milh?es de brasileiros (22,2 por cento da popula??o), ante a forte presen?a dos cat?licos, 123,2 milh?es (64,6 por cento do total). Estimativas mais atualizadas, entretanto, d?o conta de que os evang?licos hoje s?o 30 por cento da popula??o brasileira --pesquisa Ibope de agosto de inten??o ao Pal?cio do Planalto apontou 27 por cento da amostra como evang?lica e 57 por cento, cat?lica.
Na elei??o ? Presid?ncia deste ano, entre os candidatos que lideram as pesquisas, apenas a ex-senadora Marina Silva (Rede) ? declaradamente evang?lica. Mas, segundo a maioria das lideran?as do segmento ouvidas pela Reuters, o apoio dos evang?licos est? pulverizado entre v?rios presidenci?veis.
Dados do Ibope mostram o ex-presidente Luiz In?cio Lula da Silva (PT) --que deve ter a candidatura barrada com base na Lei da Ficha Limpa-- e o deputado Jair Bolsonaro (PSL), cat?lico casado com uma evang?lica, como os preferidos do segmento, e Marina, de modo geral, num terceiro lugar.
Na C?mara dos Deputados, segundo o coordenador da Frente Parlamentar Evang?lica, deputado Takayama, do Partido Social Crist?o (PSC), s?o cerca de 100 representantes (cerca de 20 por cento do total) --o n?mero varia em fun??o de afastamentos. No Senado, disse, s?o apenas 4 dos 81 senadores (somente 5 por cento das cadeiras).
Durante o culto naquela manh? de domingo, Fonseca fez quest?o de registrar que qualquer candidato que fosse ? igreja seria aben?oado. Este foi o ?nico momento em que se falou de pol?tica durante o culto de quase duas horas, embora ap?s a cerim?nia o pastor Pedro Leite tenha sido abordado por lideran?as religiosas ligadas a Fonseca para ajudar na campanha.
A Justi?a Eleitoral est? de olho nessa rela??o entre elei??es e religi?o. Na semana passada, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu que pedir votos em evento religioso durante a campanha configura abuso do poder econ?mico e cassou o mandato de dois parlamentares mineiros.
Aos 59 anos, Fonseca decidiu n?o se candidatar novamente nas elei??es de outubro, ap?s ter obtido dois mandatos de deputados federal --o ?ltimo deles com 85 mil votos. Disse j? ter cumprido sua 'miss?o', mas admite trabalhar para emplacar Pedro Leite deputado distrital e o professor Marcos Pacco, que ocupou cargos no governo do Distrito Federal, na cadeira que ocupa na C?mara dos Deputados.
'Nosso segmento tem a tend?ncia de escolher o representante que leva as demandas da institui??o, do que a pessoa pensa na verdade, o seu pensamento pol?tico', disse Fonseca, em uma das entrevistas ? Reuters em seu gabinete no Planalto.
CRESCIMENTO
Apesar de evidente nos ?ltimos anos, a participa??o dos evang?licos na pol?tica ? relativamente recente. Anteriormente avessos ao engajamento, a atua??o come?ou a ganhar corpo pouco antes da Assembleia Nacional Constituinte, quando diferentes vertentes do segmento se organizaram para eleger parlamentares que defendessem seus valores, conforme a tese de doutorado em psicologia social pela PUC de S?o Paulo de Bruna Suruagy do Amaral Dantas, intitulada 'Religi?o e Pol?tica: ideologia e a??o da 'bancada evang?lica' na C?mara Federal'.
A pauta do grupo na ocasi?o --praticamente a mesma dos dias atuais-- girava em torno da 'manuten??o da fam?lia, uni?o conjugal monog?mica e heterossexual, a proibi??o do aborto e do div?rcio, a moral sexual e o combate ? sexualidade', segundo a tese.
Ap?s a Constituinte, o grupo continuou a trabalhar pela elei??o de representantes no Congresso a fim de diminuir a hegemonia da Igreja Cat?lica. Por?m, a frente evang?lica da C?mara s? foi criada em 2003, no in?cio do governo do ent?o presidente Lula, e desde ent?o tem sido renovada no come?o de cada Legislatura.
? contra o que consideram baixa representatividade desse segmento religioso que Ronaldo Fonseca, Takayama e outras lideran?as evang?licas t?m feito um trabalho para ampliar a presen?a no Congresso, influenciar ou at? participar do pr?ximo governo, independentemente de quem seja o pr?ximo presidente da Rep?blica.
A estimativa de lideran?as evang?licas ? que haja um crescimento de 10 por cento do tamanho da bancada na C?mara dos Deputados em outubro. Apesar da atua??o coesa no Congresso, n?o h? um plano de a??o conjunta entre as igrejas para maximizar o desempenho eleitoral --em alguns casos, h? disputas pelo mesmo eleitorado.
Ronaldo Fonseca disse que a Assembleia de Deus --a maior representante evang?lica no pa?s, com cerca de um ter?o do total-- pretende eleger um deputado federal em cada uma das 27 unidades da Federa??o. Foram 24 na elei??o passada, afirmou.
Na capital do pa?s, o grupo quer eleger Pacco, do Podemos, para a C?mara dos Deputados, mas ele provavelmente ter? que disputar os votos evang?licos com Julio Lopes, do PRB, o deputado distrital mais votado na elei??o passada.
'Ele (Ronaldo) deixou a vida parlamentar e trabalha para transferir o capital pol?tico para mim. Estamos caminhando a? para juntar esse capital pol?tico', afirmou Pacco.
'O voto evang?lico, crist?o, ser? decisivo na minha elei??o', atestou o candidato, que ficou na supl?ncia na elei??o passada buscando eleitores no nicho dos preparat?rios para concursos p?blicos, e agora se intitula candidato do segmento evang?lico.
Pacco admite estar fazendo uma s?rie de agendas 'casadas' com lideran?as religiosas com Fonseca em busca de apoios.
A professora Maria das Dores Campos Machado, especialista em sociologia da religi?o pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), destacou que muitos dos parlamentares evang?licos det?m t?tulos eclesi?sticos e, dessa forma, s?o mais comprometidos com as doutrinas, ao contr?rio de representantes cat?licos no Legislativo.
'As igrejas lan?am essas pessoas porque ? mais f?cil mant?-las sob controle do que um leigo', disse Maria das Dores.
FINANCIAMENTO
Para as elei??es de outubro n?o h? um padr?o de financiamento de candidatos evang?licos no pa?s. Os entrevistados pela Reuters dizem que v?o buscar doa??es de aliados e contam principalmente com recursos do chamado fundo eleitoral, recurso p?blico criado para custear as campanhas.
O PRB, legenda mais identificada com uma igreja do segmento, a Universal do Reino de Deus, ter? quase 70 milh?es de reais para bancar todas as disputas.
Procurada pela Reuters, a Receita Federal somente divulgou a arrecada??o de todas as igrejas, sem discriminar por segmento religioso. Elas arrecadaram ano passado cerca de 531 milh?es de reais, ante 536 milh?es de reais em 2016 e 461 milh?es de reais em 2015.
Ou seja, 1,5 bilh?o de reais em arrecada??o que envolve, principalmente, algumas reten??es tribut?rias, como o Imposto sobre a Renda retido na fonte do trabalho dos empregados, PIS sobre folha e recolhimentos tribut?rios daquilo que n?o ? considerado atividade das entidades. Nessa conta n?o entra a receita das igrejas com d?zimos, por exemplo.
Ningu?m diz que contar? com o respaldo financeiro de integrantes da igreja, ainda mais diante da proibi??o do financiamento das campanhas por empresas.
Pacco disse que estima gastar 300 mil reais na campanha --o teto legal de despesas para a sua campanha ? de 2,5 milh?es de reais. Ele espera contar com recursos do fundo eleitoral previstos para o Podemos, partido ao qual ? filiado, mas que ainda n?o informou quanto vai disponibilizar para a disputa, e doa??es de pessoas pr?ximas.
'Vai ser uma campanha franciscana', disse Pacco, que tamb?m far? uma vaquinha eletr?nica para garantir um suporte financeiro.
Segundo a professora da UFRJ, candidatos a cargos eletivos evang?licos partem de uma vantagem em rela??o aos demais por contarem com uma estrutura institucional de apoio, mesmo que n?o haja apoio financeiro ?s campanhas.
'Essas candidaturas s?o trabalhadas com muita antecipa??o', disse a professora, citando, por exemplo, o endosso de lideran?as religiosas aos candidatos e o uso de r?dios para torn?-los conhecidos.
Escrito por Redação
SALA DE BATE PAPO