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ESPECIAL-“Guardiões da floresta” combatem madeireiros na Amazônia sob risco de aumento da violência

Placeholder - loading - Indígenas “guardiões da floresta” na terra Araribóia 31/01/2019 THOMSON REUTERS FOUNDATION/Karla Mendes
Indígenas “guardiões da floresta” na terra Araribóia 31/01/2019 THOMSON REUTERS FOUNDATION/Karla Mendes

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Por Karla Mendes

TERRA IND?GENA ARARIB?IA, Maranh?o (Thomson Reuters Foundation) - Seguindo um ritual tradicional dos ancestrais, o cacique Ol?mpio Santos Guajajara pinta o rosto de vermelho com a tinta extra?da de sementes de urucum, em prepara??o para uma opera??o de monitoramento na floresta amaz?nica.

Ele ? o l?der de cerca de 120 ind?genas Guajajara que se autodenominam 'guardi?es da floresta' e combatem a extra??o ilegal de madeira na Amaz?nia, onde a destrui??o da floresta atingiu em 2018 o n?vel mais alto em uma d?cada, segundo dados do governo.

Em uma rara visita autorizada, a Thomson Reuters Foundation acompanhou 12 'guardi?es' em uma patrulha de tr?s dias na terra ind?gena Ararib?ia, que culminou na destrui??o de um acampamento ilegal para extra??o de madeira e na queima de pilhas de madeira beneficiadas, prontas para serem vendidas.

'A nossa TI (terra ind?gena) se sente, hoje, amea?ada?, disse Santos, usando um capuz preto, colares e tatuagens nos dois bra?os.

'Est?o destruindo a nossa vida. Est?o destruindo a nossa cultura', disse ele, apontando para in?meras marcas de tiro na placa de identifica??o da terra ind?gena, que foi demarcada em 1991.

Apesar de a extra??o de madeira, a pesca e a ca?a em terras ind?genas serem proibidas por lei, o cacique afirma que o governo n?o tem cumprido o seu papel de reprimir esses crimes. Ele diz que as preocupa??es s?o crescentes, pois n?o h? qualquer sinal de que ser? dado um basta ?s invas?es na terra ind?gena, que s?o a principal causa da viol?ncia na regi?o.

'Estamos defendendo a lei, que deveria estar sendo cumprida', disse ele, explicando que a pintura de seu rosto ? um apelo ? 'M?e Floresta' para proteger os guardi?es.

'? uma guerra muito grande que n?s estamos enfrentando at? hoje.'

H? cerca de 900 mil ind?genas no pa?s, que representam menos de 1 por cento da popula??o brasileira. As terras ind?genas reconhecidas --que est?o em diferentes processos de demarca??o-- representam 13 por cento do territ?rio brasileiro, mas os ind?genas est?o cada vez mais preocupados com as crescentes invas?es em suas terras, decorrentes da extra??o ilegal de madeira e da agropecu?ria na floresta.

O Brasil liderou o ranking mundial de desmatamento de florestas tropicais em 2018, de acordo com o grupo de monitoramento independente Global Forest Watch.

Se a taxa atual de desmatamento continuar, mais de um quarto da floresta amaz?nica ficar? sem ?rvores at? 2030, segundo estimativa do World Wildlife Fund (WWF).

A terra ind?gena Ararib?ia, onde vivem os ind?genas Guajajara, tamb?m abriga a tribo dos Aw?, ca?adores e coletores de alimentos que o grupo de direitos ind?genas Survival International descreve como a tribo mais amea?ada do mundo.

Bruno Pereira, coordenador de ?ndios isolados da Funda??o Nacional do ?ndio (Funai), disse que a crescente press?o madeireira nas terras ind?genas desencadeou o surgimento de grupos de guardi?es em diversas ?reas da Amaz?nia, o que pode acabar aumentando os riscos de conflitos.

No entanto, ele reconhece que a situa??o na regi?o ? ?muito dif?cil?, com diversas ocorr?ncias de ind?genas que se envolveram com a extra??o ilegal de madeira depois de terem sido cooptados por madeireiros em troca de dinheiro para sua sobreviv?ncia, o que tamb?m gera conflitos entre os pr?prios ind?genas em uma das terras ind?genas mais amea?adas do pa?s.

?? uma regi?o extremamente violenta... O cen?rio ali ? muito complexo. Munic?pios que foram financiados, constru?dos em cima da madeira ilegal dentro da terra ind?gena?, disse Pereira.

?? melhor que procure a Justi?a, que procure que os ?rg?os da Uni?o fa?am o seu papel... Eu n?o acho esse cen?rio (o enfrentamento pelos guardi?es) a melhor forma de lidar com a situa??o, mas eu compreendo o quanto eles est?o desesperados para terem que agir assim?, afirmou.

?A terra tem sido devastada... A gente tem dados de imagem de sat?lite, a gente tem dados de quanto de madeira sai daquelas terras, e ? absurdo n?o ter uma resposta ? altura. Ent?o ali o estado realmente falha.?

O desmatamento em terras ind?genas atingiu 12 quil?metros quadrados no primeiro trimestre deste ano, o dobro na compara??o com o mesmo per?odo de 2018, segundo dados do instituto de pesquisa Imazon.

Na terra ind?gena Ararib?ia, imagens de sat?lite detectaram cerca de 2.300 pontos de alerta --principalmente desmatamento--no ?ltimo trimestre de 2018, segundo o Instituto Socioambiental (ISA), uma organiza??o n?o governamental.

Segundo Santos, pelo menos tr?s ?guardi?es? foram mortos em conflitos com madeireiros ilegais desde que o grupo dos guardi?es da Ararib?ia foi criado em 2012. Estimativas apontam que o n?mero de ativistas assassinados em toda a Amaz?nia chega a cerca de 80.

ARRENDAMENTO POL?MICO

Grupos de direitos humanos temem que conflitos fundi?rios se agravem no governo do presidente Jair Bolsonaro, que transferiu o poder de decis?o de demarca??o de terras ind?genas da Funai para o Minist?rio da Agricultura, o que provocou temores de que representantes do setor agr?cola pressionem pela abertura de terras ind?genas para a explora??o agr?cola.

Mas essa mudan?a pode ser anulada.

Em 9 de maio, uma comiss?o da C?mara dos Deputados votou contra essa altera??o, aumentando as esperan?as dos ind?genas de que a demarca??o de terras volte para o controle da Funai. A decis?o ainda precisa ser aprovada pelo plen?rio da C?mara e do Senado.

Outra proposta do governo Bolsonaro criticada por ativistas ? o arrendamento de terras ind?genas. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, no entanto, disse que a proposta para revogar a proibi??o da produ??o agr?cola em terras ind?genas foi uma resposta a pedidos dos pr?prios ind?genas.

?Recebi mais de 150 ?ndios nos procurando e dizendo o seguinte: ?n?s gostar?amos de poder arrendar um peda?o da nossa ?rea??, disse a ministra ? Thomson Reuters Foundation em seu gabinete, em Bras?lia.

Ela afirmou, por?m, que o arrendamento para fins agr?colas ocorreria em terras j? ?antropizadas?, e n?o em ?reas a serem desmatadas.

?Ent?o eles gostariam que a lei fosse mudada porque a lei hoje n?o permite isso?, disse a ministra.

Nem todos concordam, no entanto.

Jo?nia Wapichana, a primeira mulher ind?gena a ser eleita para o Congresso Nacional, disse que os ind?genas t?m o direito de receber apoio total do governo para cultivar suas terras 'mas isso n?o justifica a abertura de terras ind?genas para arrendamento'.

?Meu entendimento ? totalmente oposto ao que a ministra fala. A gente v? claramente que existe um conflito de interesses. Interesses individuais, econ?micos, privados versus os interesses coletivos dos povos ind?genas?, afirmou Wapichana.

?SEM ESCOLHA?

O trabalho dos guardi?es contra a extra??o ilegal de madeira ? amplamente reconhecido pelos ?rg?os governamentais encarregados de proteger os direitos ind?genas e o meio ambiente.

No entanto, embora as pris?es por cidad?os estejam previstas na Constitui??o Federal sob certas circunst?ncias, as autoridades alertam para o risco que os ind?genas correm ao se confrontarem com madeireiros e fazer justi?a com as pr?prias m?os.

?Os guardi?es da floresta da regi?o de Ararib?ia ? um grupo bem organizado... Est?o l? na ponta e fazem informa??es, fazem relat?rios pra gente,? disse a superintendente da Pol?cia Federal do Maranh?o, Cassandra Parazi, em seu escrit?rio em S?o Lu?s.

?? importante que eles estejam atentos, mas esse tipo de iniciativa de querer defender com as pr?prias m?os ? perigoso, ? temer?rio?.

Desde 2015, a Pol?cia Federal e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renov?veis (Ibama) realizaram cerca de uma dezena de opera??es no Estado do Maranh?o, disse Parazi, destruindo serrarias e acampamentos de madeireiros.

Mas isso n?o foi suficiente para deter a extra??o ilegal de madeira na regi?o, disse Parazi. Ela afirma que alguns ?rg?os de fiscaliza??o falham com limita??o de efetivo e at? mesmo corrup??o seus agentes.

?Mas a ?rea ? t?o grande, demandaria maiores investimentos. Poucas estradas, muitos rios... Ent?o ? muito f?cil se ocultar na mata?, disse Parazi.

?CONFLITO GENERALIZADO?

Os guardi?es fazem o patrulhamento nas estradas das entradas da terra ind?gena usadas por caminh?es e carros, onde eles abordam e identificam qualquer atividade madeireira ilegal e expulsam os envolvidos da terra ind?gena, disse Santos.

Durante uma patrulha noturna acompanhada pela Thomson Reuters Foundation, um guardi?o usando um capuz interrogou um ind?gena Guajajara suspeito de trabalhar com madeireiros ilegais.

?Voc? est? pensando que ? brincadeira? N?o ??, disse ele, enquanto o ind?gena abordado negava qualquer envolvimento com os madeireiros.

?? isso que n?s queremos: a sinceridade, a honestidade de voc?s... Porque se um dia a gente descobre que voc?s est?o enrolando a gente, mentindo, a? vai complicar muito mais pra voc?s?, disse outro guardi?o.

Roberto Cabral Borges, coordenador de opera??es e fiscaliza??o do Ibama, disse temer que a escalada da viol?ncia no combate aos madeireiros ilegais torne a ?rea ainda mais perigosa.

?A Constitui??o brasileira permite que algu?m seja preso pelo cidad?o (no caso de flagrante). Mas existe um risco grande nisso... O que a gente v? ? que tem realmente um crime organizado (por tr?s da extra??o de madeira)?, disse Borges.

?? esse o nosso receio: o conflito ir se acirrando, at? que em determinado momento o crime ambiental ficar de lado e voc? vir a ter um conflito generalizado na ?rea?.

Cerca de 200 campos de extra??o ilegal de madeira foram destru?dos desde que os guardi?es deram in?cio ?s atividades de monitoramento no final de 2012, disse Santos, acrescentando que o grupo est? montando organiza??o n?o governamental e um site e uma p?gina do Facebook para doa??es.

?Que o mundo veja a nossa luta e que fa?a o reconhecimento da nossa atividade, que ? legal. Porque a gente est? clamando por vida e pelo pulm?o do mundo tamb?m,? disse Santos, olhando para uma pilha de madeira em chamas.

La?rcio Souza Silva Guajajara, outro guardi?o, disse que o grupo 'n?o ? uma mil?cia'.

?N?s estamos defendendo a vida, n?o estamos matando ningu?m. ? a luta pelas crian?as, pelos velhos, pelo mundo inteiro?, disse ele, com o rosto e corpo pintados de preto com tinta de jenipapo e usando um chap?u camuflado.

?A gente n?o tem escolha. Porque se esperar pelo governo, ? como est? hoje, n?o acontece nada. ? s? mais invas?o, destrui??o? ? lutar at? o fim, at? a ?ltima respira??o.'

(Reportagem de Karla Mendes e Max Baring)

Escrito por Redação

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