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ESPECIAL-Na Venezuela, nova criptomoeda é mistério que intriga a população

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Por Brian Ellsworth

ATAPIRIRE, Venezuela (Reuters) - O presidente da Venezuela, Nicol?s Maduro, garante que um pequeno povoado de 1.300 pessoas est? na crista da onda de uma inova??o em criptomoedas.

Localizada em uma savana isolada no centro do pa?s, Atapirire ? a ?nica cidade em uma ?rea que o governo diz comportar 5 bilh?es de barris de petr?leo. A Venezuela garantiu tais reservas como lastro para uma moeda digital batizada de 'petro' que Maduro lan?ou em fevereiro, e neste m?s ele prometeu que ela ser? o cerne de um plano de recupera??o para a na??o em crise.

Mas os habitantes de Atapirire dizem que n?o viram nenhum esfor?o do governo para explorar as reservas, e t?m pouca esperan?a de que seu vilarejo em dificuldades ter? um lugar privilegiado em uma revolu??o financeira.

'N?o h? sinal desse petro aqui', disse Igdalia Diaz, dona de casa de 35 anos que logo passou a se queixar da escola em ru?nas, das ruas esburacadas, dos blecautes frequentes e dos moradores famintos da cidade.

A verdade ? que ? dif?cil encontrar o petro em qualquer lugar. Durante um per?odo de quatro meses a Reuters conversou com uma d?zia de especialistas em criptomoeda e avalia??o de petr?leo, viajou ao local das reservas prometidas e vasculhou registros de transa??es da moeda digital na tentativa de saber mais sobre a criptomoeda.

Essa busca rendeu poucos ind?cios de um com?rcio vicejante do petro. A moeda n?o ? vendida em nenhuma grande casa de c?mbio de criptomoedas e n?o se conhece nenhuma loja que a aceite.

Os poucos compradores que a Reuters conseguiu localizar foram aqueles que escreveram sobre sua experi?ncia em f?runs de criptomoeda na internet.

Nenhum quis se identificar. Um se queixou de ter sido 'ludibriado'. Outro disse ? Reuters que recebeu seus petros sem problema, e culpou as san??es dos Estados Unidos contra a Venezuela e a 'imprensa detest?vel' por prejudicarem o lan?amento do petro.

Autoridades do governo fizeram declara??es contradit?rias. Maduro afirma que a venda do petro j? rendeu 3,3 bilh?es de d?lares, e que agora a moeda ? usada para importar alimentos e rem?dios. No entanto, Hugbel Roa, um ministro envolvido no projeto, disse ? Reuters na sexta-feira que a tecnologia por tr?s da moeda ainda est? em desenvolvimento e que 'ningu?m ainda fez uso do petro... e que nenhum recurso foi recebido'.

A 'Superintend?ncia de Criptoativos', a ag?ncia do governo que supervisiona o petro, ? um mist?rio. Recentemente a Reuters visitou o Minist?rio das Finan?as, onde a Superintend?ncia supostamente est? abrigada, mas foi informada por uma recepcionista que ela 'ainda n?o tem uma presen?a f?sica aqui'.

O site da Superintend?ncia n?o est? funcionando. Seu presidente, Joselit Ram?rez, n?o respondeu a mensagens em suas contas de redes sociais. Telefonemas para o Minist?rio da Ind?stria, que supervisiona a ag?ncia, n?o foram respondidos.

O Minist?rio da Informa??o n?o respondeu a emails pedindo coment?rios.

Maduro ampliou a confus?o neste m?s anunciando que sal?rios, pens?es e a taxa de c?mbio da moeda decadente da Venezuela, o bol?var, agora ser?o atrelados ao petro. A medida provocou consterna??o nas ruas do pa?s e entre economistas e especialistas em criptomoeda que dizem que a correla??o petro-bol?var ? impratic?vel.

'N?o existe maneira de ligar pre?os ou taxas de c?mbio a uma moeda com que n?o se comercializa, precisamente porque n?o existe maneira de saber por quanto ela ? vendida', disse Alejandro Machado, cientista da computa??o e consultor de criptomoeda venezuelano que vem acompanhando atentamente o petro.

O caos ? prova do desespero e da desorganiza??o que est?o tomando conta do governo Maduro em meio ao colapso da Venezuela.

O petro deveria ajudar Caracas a combater a hiperinfla??o, que tornou o bol?var praticamente sem valor. O governo argumentou que uma criptomoeda, que permite que opera??es financeiras possam ser feitas anonimamente, possibilitaria ? na??o driblar as san??es financeiras dos EUA e obter moedas fortes para pagar as t?o necess?rias importa??es de alimentos e rem?dios.

O governo atrelou o valor do petro ao valor de um barril de petr?leo venezuelano --atualmente cerca de 66 d?lares-- e prometeu sustent?-lo com reservas de petr?leo localizadas em uma ?rea de 380 quil?metros quadrados ao redor de Atapirire. Em mar?o o presidente dos EUA, Donald Trump, proibiu os norte-americanos de comprarem ou usarem o petro.

Analistas demonstraram ceticismo quanto ?s afirma??es de Maduro de que o petro j? est? rendendo milh?es em moeda real. Segundo eles, os registros digitais associados ? moeda n?o fornecem informa??es suficientes para se determinar quanto exatamente se arrecadou, em caso de algo realmente arrecadado.

'Isso certamente n?o se parece com uma ICO (sigla em ingl?s para oferta inicial de moeda) t?pica, dado o baixo n?vel de atividade das transa??es', disse Tom Robinson, diretor de dados e cofundador da Elliptic, uma empresa de blockchain sediada em Londres.

'N?o encontramos nenhuma evid?ncia de que algu?m tenha emitido um petro, nem que tenha sido negociado ativamente em nenhuma bolsa.'

Uma visita da Reuters ? ?rea em torno de Atapirire mostrou poucas atividades ligadas ? ind?stria petroleira. As ?nicas perfuradoras vis?veis eram m?quinas pequenas instaladas anos atr?s e j? envelhecidas. V?rias estavam abandonadas e cobertas de mato.

Em um artigo de opini?o publicado em 19 de agosto no Aporrea, um site de coment?rio e an?lise venezuelano, o ex-ministro do Petr?leo Rafael Ram?rez estimou que seriam necess?rios 20 bilh?es de d?lares de investimentos para explorar as reservas locais, dinheiro que a problem?tica estatal petroleira PDVSA n?o tem.

'O petro est? sendo estabelecido com um valor arbitr?rio, que s? existe na imagina??o do governo', escreveu Ram?rez. Ele supervisionou a ind?stria petroleira da Venezuela durante uma d?cada ? ?poca do falecido presidente Hugo Ch?vez, e hoje vive exilado em um local secreto por ter sido acusado por Caracas de corrup??o, o que ele nega.

A PDVSA n?o respondeu a um email pedindo coment?rio.

'FOMOS LUDIBRIADOS'

Ao contr?rio dos compradores de criptomoedas conhecidas, como o Bitcoin e o Ethereum, os donos de petros s?o dif?ceis de encontrar.

Um local para isso ? o f?rum de criptomoedas online Bitcointalk, no qual entusiastas de criptomoedas come?aram a publicar mensagens no in?cio de 2018.

Algumas postagens iniciais eram otimistas, mas esse entusiasmo azedou ? medida que o tempo passou. V?rios se queixaram da falta de informa??es e dos atrasos no recebimento de suas moedas, e um reclamou por n?o conseguir transferi-las ou vend?-las.

'At? agora sim, fomos ludibriados, o tempo dir? se foi um bom investimento ou n?o', escreveu um participante do f?rum identificado como cryptoviagra em 25 de junho.

Outro comprador, o ?nico a responder a perguntas da Reuters, disse atrav?s de mensagens em redes sociais que sua experi?ncia comprando petros 'funcionou bem no geral'. Ele culpou a proibi??o dos EUA pelas vendas fracas da moeda, al?m do que considerou uma cobertura midi?tica negativa. Ele pediu que seu nome n?o fosse revelado por temer 'persegui??o do governo dos EUA', acrescentando que 'n?o considera a Reuters uma organiza??o de not?cias honesta'.

A Reuters n?o conseguiu confirmar de forma independente se algum participante do f?rum investiu no petro.

As criptomoedas ganharam popularidade ao longo da ?ltima d?cada, gra?as a defensores que disseram que elas reduziriam os custos das transa??es financeiras, dariam aos cidad?os alternativas a bancos comerciais e os protegeriam da infla??o induzida por pol?ticas dos bancos centrais.

As transa??es s?o validadas por uma rede de computadores e registradas em um livro-raz?o p?blico chamado blockchain. Opera??es individuais est?o dispon?veis para a consulta de qualquer pessoa na internet, mas as identidades dos envolvidos s?o mantidas em segredo. As opera??es s?o protegidas por criptografia, a codifica??o e decodifica??o computadorizada de dados.

As compras fren?ticas de criptoativos em 2017 elevaram o pre?o do Bitcoin para quase 20 mil d?lares, e seu sucesso deu ensejo a uma onda de ofertas de moedas de outras start-ups, inclusive golpes que arrecadaram milh?es de d?lares antes de serem desmantelados pelas autoridades.

Os emissores de criptomoeda preocupados em mostrar transpar?ncia na arrecada??o usam blockchains para exibir cada compra individual da nova moeda. Isso d? a investidores em potencial uma ideia de quanto dinheiro est? fluindo e proporciona uma refer?ncia relativa sobre a procura.

O governo da Venezuela, em contraste, n?o oferece um registro expl?cito de compras. Ao inv?s disso, seus registros digitais s? mostram o movimento de petros entre contas, n?o permitindo que se determine por quanto a moeda foi vendida ou se fundos realmente trocaram de m?os.

O 'Livro Branco' do petro, um documento p?blico que descreve as condi??es de oferta para os poss?veis compradores, diz que a principal plataforma para a moeda ? o NEM -- uma plataforma descentralizada de blockchain promovida por uma organiza??o sem fins lucrativos de Cingapura. Propriet?rios de contas NEM s?o an?nimos, mas podem revelar suas identidades na descri??o de suas moedas se desejarem.

Em mar?o, uma conta NEM que aparece como sendo operada pelo governo da Venezuela emitiu 82,4 milh?es de moedas como parte de sua oferta inicial. Essas aparentemente correspondem a uma conjunto de moeda 'preliminares' descritas no Livro Branco que compradores poderiam futuramente trocar por petros quando a oferta inicial for conclu?da.

Cerca de 2.300 destas moedas foram transferidas para 200 contas an?nimas em pequenas quantidades no in?cio de maio, revelaram registros da NEM.

Esse per?odo de tempo ? condizente com coment?rios postados por participantes do f?rum Bitcointalk que disseram estar comprando petros. Se vendidas ao pre?o estabelecido por Maduro com base nos pre?os do petr?leo na ocasi?o, estas moedas teriam arrecadado cerca de 150 mil d?lares, de acordo com c?lculos da Reuters.

Em abril, outra conta an?nima emitiu uma s?rie de moedas que descreveu como parte de uma diferente fase do petro voltada a grandes investidores.

Registros da NEM mostram que em junho essa contra transferiu cerca de 13 milh?es destas novas moedas a cerca de uma d?zia de contas an?nimas. Estas moedas teriam arrecadado aproximadamente 850 milh?es de d?lares a pre?os oficiais, mas n?o h? como provar que se tratou de vendas, e nenhum grande investidor admitiu estar lidando com o petro.

Roa, ministro da Alta Educa??o, supervisiona uma ag?ncia estatal chamada Observat?rio Venezuelano de Blockchain. Ele pareceu validar as suspeitas dos analistas de que o petro, atualmente, n?o existe como moeda funcional.

A Reuters conversou com ele brevemente nos bastidores de um evento sobre o petro em Caracas na semana passada. Roa descreveu as transa??es da NEM como 'modelos iniciais', acrescentando que a Venezuela estava agora trabalhando em sua pr?pria tecnologia blockchain. Ele disse que os compradores fizeram 'reservas' para adquirir petros, mas que nenhuma moeda foi liberada.

O que est? claro ? que o petro n?o ? negociado em nenhuma grande casa de c?mbio.

Sediada em Hong Kong, a Bitfinex, uma das maiores casas de c?mbio de criptomoeda do mundo em volume, disse em mar?o que n?o pretende listar o petro jamais por causa de sua 'utilidade limitada', e baniu a moeda oficialmente de sua plataforma na esteira das san??es dos EUA.

Tr?s outras grandes casas de c?mbio ? a Coinbase e a Kraken, ambas de San Francisco,e a Bittrex, de Seattle ? n?o quiseram comentar ou n?o responderam a perguntas quando indagadas por que n?o listaram o petro.

Em 26 de abril Maduro anunciou que 16 casas foram 'certificadas' para negociar com o petro, acrescentando que 'elas come?am a operar a partir de hoje'. A maioria ? pouco conhecida no mundo das criptomoedas.

A Reuters n?o conseguiu localizar sete delas, que n?o est?o presentes na internet. Sete outras n?o responderam a pedidos de coment?rio.

A Italcambio, uma casa de c?mbio venezuelana estabelecida que Maduro disse que trabalharia com a moeda, n?o negocia ou vende petros, afirmou seu presidente, Carlos Dorado, em resposta por email ? Reuters.

A ?nica casa de c?mbio que debateu publicamente planos para listar o petro ? a indiana Coinsecure. Seu diretor-executivo, Mohit Kalra, disse em uma entrevista concedida ? Reuters neste m?s que a Coinsecure dentro de dois meses fornecer? ? Venezuela um sistema para negocia??es de petros, junto com tecnologia para oper?-lo, e que a Venezuela pagar? royalties por seu uso.

Kalra n?o respondeu a liga??es pedindo informa??es adicionais.

'O QUE ? UM PETRO?'

O petr?leo est? no cerne da economia da Venezuela. Ao escolher atrelar o petro a ele, o pa?s se uniu a um n?mero pequeno, mas crescente, de emissores de criptomoeda que ligam o valor de suas moedas a commodities f?sicas.

A Casa da Moeda Real, que produz moedas para o Reino Unido, anunciou em 2017 uma moeda digital atrelada ao ouro chamada RMG.

A grande diferen?a ? que estas criptomoedas s?o atreladas a ativos f?sicos que podem ser negociados de imediato. J? Maduro prometeu que o petro ter? como garantia reservas de petr?leo que ainda est?o nas profundezas do solo em um bloco conhecido como Ayacucho I, pr?ximo de Atapirire. O governo sustenta que o campo tem 5,3 bilh?es de barris, citando uma 'ag?ncia de certifica??o internacional independente'.

A PDVSA n?o respondeu um email pedindo detalhes.

Independentemente de quanto petr?leo contenha, a ?rea carece de infraestrutura crucial para sua extra??o, como estradas, oleodutos e gera??o de energia, disse Francisco Monaldi, nativo da Venezuela que hoje leciona pol?ticas energ?ticas da Am?rica Latina na Universidade Rice de Houston.

'N?o existe plano de investimento para essa ?rea e nenhuma raz?o para pensar que seria desenvolvida antes de outros campos com condi??es melhores'.

A simples localiza??o do bloco exige um esfor?o consider?vel. Funcion?rios da PDVSA que concordaram em levar um rep?rter at? o local o confundiram com um bloco diferente. A Reuters teve que mapear o Ayacucho I com GPS usando coordenadas publicadas pelo governo como parte da cria??o do petro.

Enquanto isso, os habitantes de Atapirire dizem ter sido esquecidos.

Um criadouro de peixes usado para oferecer empregos est? abandonado. A cl?nica da cidade n?o tem m?dicos nem ambul?ncias funcionando. Muitas pessoas passam horas esperando junto ? estrada poeirenta os ?nibus chineses que servem como o ?nico meio de transporte p?blico para El Tigre, importante polo petrol?fero situado 60 quil?metros ao norte.

A professora Rosa Alvarez disse que cerca de metade dos alunos de primeiro grau que ela ensina pararam de ir ?s aulas por estarem com fome e que a escola n?o oferece mais comida com verba estatal.

Ela disse que as autoridades governamentais ignoraram suas queixas, mas em maio o Minist?rio da Educa??o emitiu uma nova instru??o: ensinar aos alunos as virtudes da nova criptomoeda do pa?s.

Rosa ficou espantada.

'Como explicarei isso a eles se ningu?m me diz o que ? um petro?', questionou. 'Como eu compro um petro? Com qu??'

(Reportagem adicional de Anna Irrera, em Nova York; Nidhi Verma, em Nova D?lhi; e Maria Ramirez, em Altagracia del Caris)

Escrito por Redação

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