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ESPECIAL-Política externa de governo Bolsonaro segue um mistério, mas sinais são preocupantes

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Por Lisandra Paraguassu

BRAS?LIA (Reuters) - Dez dias depois da posse de Jair Bolsonaro, a pol?tica externa do novo governo ainda ? um mist?rio, mas com sinais preocupantes de que as mudan?as que devem vir por a? podem mais atrapalhar do que ajudar as rela??es internacionais do Brasil, especialmente na ?rea econ?mica.

Especialistas ouvidos pela Reuters s?o un?nimes em afirmar que, por enquanto, ? dif?cil dizer a que veio o novo chanceler, Ernesto Ara?jo.

Seu discurso de posse --um momento em que o chefe das Rela??es Exteriores costuma dar as diretrizes de como pretende trabalhar a pol?tica externa-- apenas serviu para confirmar as ideias que Ara?jo havia demonstrado em seu blog nos ?ltimos meses, do antiglobalismo ? defesa da religi?o, em sinais avessos ? tradicional diplomacia brasileira.

'Nos ?ltimos 30, 40 anos havia uma outra vis?o de mundo, h? na regi?o uma nova geopol?tica e, al?m disso, a ascens?o de Ernesto Ara?jo quebrou a hierarquia tradicional do Itamaraty. Dentro desse quadro fica muito dif?cil falar sobre o futuro da pol?tica externa porque ainda n?o est?o indicadas as diretrizes e as prioridades do Itamaraty', analisa do embaixador Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Washington.

Os sinais dados at? agora caminham para uma ruptura com pol?ticas tradicionais da diplomacia brasileira, como a clara op??o pela n?o-inger?ncia, o apego ao di?logo e ao multilateralismo e o n?o-alinhamento.

Barbosa cita o desconvite ? Venezuela e Cuba para participaram da pose de Bolsonaro e a decis?o do Brasil de deixar o pacto migrat?rio como dois sinais preocupantes.

'Isso n?o atendeu ?s melhores tradi??es do Brasil e nem resultou em nada favor?vel ao Brasil', avaliou. 'A retirada do pacto migrat?rio tamb?m n?o altera nada, porque esse pacto n?o criava regras para os pa?ses. Foi um gesto que causou apreens?o no exterior sem nenhum ganho para o Brasil.'

O discurso de posse de Ara?jo foi recheado de cr?ticas ao pr?prio Itamaraty e ? postura da diplomacia brasileira.

'Acho que nossa pol?tica externa vem se atrofiando por medo de ser criticada. N?o tenham medo de ser criticados', disse o novo chanceler, em uma fala recebida com frieza pelos diplomatas presentes. 'Quer?amos ser um bom aluno na escola do globalismo e ach?vamos que isso era tudo. O Brasil volta a dizer o que sente e sentir o que ?.'

Para um embaixador rec?m-aposentado, que chegou aos mais altos n?veis da carreira, o discurso n?o atendeu aos interesses do Brasil.

'O que eu vejo ? uma pol?tica externa coerente com a inclina??o ideol?gica do presidente e de seu chanceler, mas n?o coerente com as necessidades que o Brasil tem em mat?ria de externaliza??o da sua pol?tica econ?mica', disse o embaixador, que pediu para n?o ser identificado.

'O Brasil sempre atraiu investimentos at? pelas caracter?sticas n?o ideol?gicas da sua pol?tica', acrescentou.

A maior preocupa??o de diplomatas e analistas ouvidos pela Reuters ? o reflexo econ?mico que a pol?tica de Ara?jo e Bolsonaro podem ter. At? agora, as declara??es mais fortes feitas pelo chanceler e o presidente rompem com regras diplom?ticas tradicionais.

J? durante a campanha, Bolsonaro falou da mudan?a da embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusal?m, em um movimento copiado dos Estados Unidos e que atinge diretamente a liga dos pa?ses ?rabes, grandes importadores de prote?na animal do Brasil.

Em seguida, ambos mostraram admira??o e alinhamento quase completo com os Estados Unidos, ao mesmo tempo em que Bolsonaro criticou, por mais de uma vez, a China, hoje maior parceiro comercial do Brasil.

O professor da Funda??o Get?lio Vargas Matias Spektor, doutor em Rela??es Internacionais, coloca a rela??o com Estados Unidos e China como os maiores riscos para a pol?tica externa deste novo governo. Lembra que os democratas americanos --que venceram a ?ltima elei??o da C?mara dos Deputados-- j? reagiram a declara??es de Bolsonaro sobre direitos humanos e meio ambiente.

Ao mesmo tempo, Trump, que tem cultivado a rela??o com o presidente, tem perdido aprova??o e for?a e pode at? mesmo passar por um processo de impeachment, segundo analistas norte-americanos. 'Ele vem em uma trajet?ria de enfraquecimento que pode comprometer os interesses brasileiros no m?dio prazo', afirmou.

Pouco antes da campanha eleitoral se iniciar, Bolsonaro foi a Taiwan, um movimento que desagradou os chineses, que consideram o pa?s uma prov?ncia rebelde. Depois disso, criticou os investimentos chineses no Brasil.

'Enquanto for ret?rica, a China n?o vai retaliar. Mas se o governo come?ar a discriminar investimentos chineses nas privatiza??es ou insistir na rela??o com Taiwan, eles v?o n?o hesitar', disse Spektor. 'A diplomacia chinesa ? muito realista. Se mexer no bolso ou no brio nacionalista eles ir?o reagir.'

CONTR?RIO DA DIPLOMACIA

A an?lise do embaixador ouvido pela Reuters ? que algumas a??es como as que foram tomadas at? agora n?o trazem ganhos ao Brasil, s?o desgastantes e o contr?rio do trabalho diplom?tico.

'O trabalho da diplomacia ? de bastidor, sem alardear nada. O que vi se fazendo at? agora ? o contr?rio', diz.

A nova postura, analisa Spektor, j? gerou desgastes para o Brasil no exterior. Ele lembra que Bolsonaro teve apenas um editorial favor?vel no exterior, do Wall Street Journal, publica??o voltada aos mercados onde o discurso liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes, tem mais tra??o.

Ainda assim, analisa, n?o h? sinais de um abrandamento do discurso.

'O governo acaba de ganhar a elei??o, tem uma enorme for?a pol?tica e em um momento em que a oposi??o est? arrebentada e tamb?m n?o se ajuda. A ida de Gleisi (Hoffmann, presidente do PT) ? posse de Nicol?s Maduro (presidente da Venezuela) veio em p?ssima hora. N?o h? motivo agora para presidente e o partido reduzirem o tamanho das promessas que fizeram ao eleitorado', diz Spektor.

'Ainda mais porque v?o ter que motivar sua base para fazer o que ? o ?xito ou o fracasso do governo, que ? a reforma da Previd?ncia. Acho que vamos ver mais do mesmo. ? p? no acelerador.'

DESGASTE INTERNO

As pol?ticas, a fala e as mudan?as que Ara?jo est? fazendo dentro do Itamaraty tamb?m trouxeram desgaste interno ao chanceler e d?vidas sobre como a Casa vai funcionar sob sua gest?o.

Uma das primeiras provid?ncias de Ara?jo foi a troca dos subsecret?rios de embaixadores mais s?niores por diplomatas da mesma gera??o que a sua, promovidos a ministros de primeira classe --o mesmo que embaixador-- h? menos de um ano. A provid?ncia poderia representar apenas uma mudan?a geracional, como avaliou o embaixador Rubens Barbosa, mas tamb?m deixa sem cargos nomes mais antigos e experimentados da Casa.

Dois experimentados embaixadores que haviam retornado recentemente do exterior para assumir subsecretarias ainda n?o sabem como ser?o aproveitados.

'? o famoso departamento de escadas e corredores, aquele pelo qual ningu?m quer passar. Deixar nomes experientes nessa condi??o ? um desperd?cio de investimento p?blico', reclama um diplomata.

Ara?jo reduziu as subsecretarias --cargos imediatamente abaixo do ministro e do secret?rio-geral-- das nove anteriores para sete. Foram extintas a de Meio Ambiente, criada por Antonio Patriota, no primeiro governo da petista Dilma Rousseff, e a de Brasileiros no Exterior. Ambos os temas ca?ram na hierarquia e passaram a ser departamentos na Secretaria de Cidadania e Soberania Nacional, que passa a englobar Defesa, Cidadania, Na??es Unidas, Meio Ambiente e a ?rea consular.

As rela??es com os pa?ses passaram a ser unificadas em apenas tr?s, chamadas de secretarias de negocia??es bilaterais: Am?ricas, antes dividida em Am?rica do Norte e Am?rica Latina; Oceania, ?sia e R?ssia; e Oriente M?dio, Europa e ?frica.

A rela??o com a imprensa tamb?m caiu nas prioridades do novo chanceler. A Assessoria, antes ligada diretamente ao gabinete, ficar? sob as asas de uma nova secretaria, de Comunica??o e Cultura.

As mudan?as, avaliam diplomatas ouvidos pela Reuters, mostram as prioridades do novo governo, que defende centrar as rela??es no bilateralismo, n?o no multilateralismo ou em ?rg?os internacionais.

As reclama??es s?o muitas. Em sua posse no Itamaraty, Ara?jo viu aplausos magros a seu discurso e um claro constrangimento. J? h? casos de pedidos de transfer?ncia para postos consulares, em que o diplomata trata dos casos do dia a dia dos brasileiros no exterior, mas n?o tem a obriga??o de defender o governo.

Mas, apesar de uma rea??o inicial forte ? nomea??o de Ara?jo, com uma carta an?nima escrita por diplomatas, as reclama??es n?o passaram de conversas de corredores.

'Mesmo que tenha muita infelicidade no Itamaraty, temos que lembrar que o chanceler tem o poder das promo??es e remo??es. Quem compra briga se isola e compromete a pr?pria carreira', lembra Spektor.

Escrito por Redação

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