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Moradores de rua: eles vivem tantos riscos, o coronavírus é mais um

Placeholder - loading - Freis franciscanos entregam comida para pessoas em situação de rua em São Paulo 27/03/2020 REUTERS/Amanda Perobelli
Freis franciscanos entregam comida para pessoas em situação de rua em São Paulo 27/03/2020 REUTERS/Amanda Perobelli

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(Texto atualizado com mais informa??es sobre atua??o dos M?dicos sem Fronteiras)

Por Gabriel Araujo e Leonardo Benassatto

S?O PAULO (Reuters) - As ruas da cidade de S?o Paulo, mesmo quando tomadas pelos carros, n?o escondem seus habitantes das cal?adas, viadutos e qualquer outro espa?o que sirva de abrigo. Nestes dias de isolamento, o cen?rio mudou para os que vivem nelas e trouxe uma nova amea?a invis?vel: o coronav?rus.

Segundo o censo mais recente da Prefeitura de S?o Paulo, realizado em 2019, s?o mais de 24 mil pessoas em situa??o de rua e somente metade desse n?mero est? acolhida, na maior cidade do pa?s e epicentro brasileiro do Covid-19.

'Eles vivem tantos riscos que esse ? mais um. E esse risco eles ouvem falar, percebem que a cidade mudou, mas eles n?o enxergam o v?rus. Ningu?m enxerga', afirmou o padre J?lio Lancellotti, que h? mais de tr?s d?cadas se dedica a cuidar da popula??o que vive nas ruas.

'Mas para eles existem riscos maiores, que eles sentem na vida: a fome, o frio, o abandono, o desprezo, a viol?ncia. Ent?o chegou mais uma amea?a na vida deles', acrescentou o padre, enquanto participava da distribui??o de alimento no p?tio de sua par?quia na zona leste da cidade.

'Onde eles v?o lavar as m?os?', questiona o padre Lancellotti, referindo-se ? principal medida recomendada para evitar a dissemina??o do coronav?rus. O coordenador da Pastoral do Povo de Rua lan?ou um apelo a autoridades locais para distribui??o de ?lcool gel e, no local onde ele e auxiliares entregam alimentos, todos os que aguardam na fila higienizam as m?os.

Amenizar os impactos da doen?a aos sem-teto passou a ser visto, especialmente desde o in?cio da quarentena em S?o Paulo em 24 de mar?o, como uma medida de urg?ncia, pois al?m do imenso risco de propaga??o do v?rus, essa parcela da popula??o come?ou a viver maior escassez de acesso a comida e outros tipos de ajuda.

Acolhido em um abrigo e buscando apoio de entidades e grupos de ajuda a quem vive na rua, o vendedor de balas Luiz Renato Ribeiro J?nior, de 25 anos, afirma precisar do 'amor das pessoas' para se sustentar, j? que suas atividades foram limitadas desde o estabelecimento do isolamento.

Ele disse prestar aten??o ao que falam sobre o v?rus e admitiu ter medo de ser contaminado, mas acrescentou que mesmo com o isolamento social aplicado no Estado, n?o pode deixar de buscar uma renda para sobreviver.

'N?o h? nada que eu possa fazer, eu tenho que enfrentar o v?rus... Se eu ficar num lugar eu n?o tenho uma renda, ent?o eu tenho que ir para cima... Eu tenho que ir para a guerra e tentar vender meu produto', afirmou.

HIGIENE E EXAMES

No fronte da higiene, a Prefeitura de S?o Paulo disse ter ampliado a??es durante a pandemia, afirmando que sete esta??es foram instaladas na regi?o central, em ?reas como as pra?as da S? e da Rep?blica, para oferecer duchas e sanit?rios ? popula??o de rua.

Al?m disso, a prefeitura afirmou que criou seis novos espa?os de acolhimento em toda a cidade, e garante que o distanciamento social ? respeitado nesses locais. Um dos centros, na zona sul, ? destinado especificamente a moradores de rua diagnosticados com o coronav?rus, segundo a prefeitura, que n?o detalhou o processo de testagem ou a quantidade de moradores de rua que passaram pelo exame.

A organiza??o internacional M?dicos Sem Fronteiras, por sua vez, especificou seus rec?m-iniciados trabalhos com sem-teto em S?o Paulo: at? o in?cio da semana, de 278 pessoas atendidas pela ONG, 37 tinham sintomas de Covid-19. Com quadros mais graves, tr?s delas foram encaminhadas para hospitais.

A coordenadora do projeto, Ana Leticia Nery, disse ? Reuters que o trabalho ? baseado em um trip? composto por identifica??o precoce dos casos, isolamento adequado e reconhecimento do paciente grave, embora a parcela do isolamento tenha demonstrado ser um problema.

'A rede de abrigos para isolar pacientes com coronav?rus ? pequena, na verdade ela ? min?scula, ela tem apenas 100 lugares at? agora na cidade de S?o Paulo', afirmou Nery, acrescentando que a organiza??o est? em contato direto com o poder p?blico no combate ao coronav?rus.

Ela destacou que a popula??o de rua est? informada sobre a doen?a e sente medo, especialmente diante da deteriora??o da condi??o de vida e da inseguran?a alimentar.

'A gente tem visto muito morador de rua novo, que fala para mim que est? na rua h? uma semana, porque pagava o aluguel dele a cada 15 dias, a? perdeu o emprego e n?o tem mais dinheiro, agora ele est? na rua', disse.

'E aquele morador de rua que estava l? h? muito tempo, mas que sobrevivia de vender bala, de reciclagem, coleta de lixo... hoje todas essas fontes est?o secas.'

O trabalho dos M?dicos Sem Fronteiras com a popula??o sem-teto ocorre apenas pela identifica??o de sintomas e quadros mais graves, uma vez que a testagem tem sido limitada no Brasil. Somente os pacientes encaminhados aos hospitais tendem a passar pelo exame para identifica??o do coronav?rus.

EVITAR AGLOMERA??ES

A falta de alimentos para quem vive nas ruas n?o resulta apenas do fechamento de restaurantes e outros estabelecimentos determinado na cidade devido ?s regras de isolamento. Muitas entidades n?o-governamentais, que oferecem aux?lio diuturnamente ? popula??o de rua, tiveram que suspender suas atividades para evitar aglomera??es.

Alguns grupos ainda seguem operando, como os Anjos da Noite e o Servi?o Franciscano de Solidariedade, que estabeleceu uma tenda para atendimento de 1 mil pessoas no Largo S?o Francisco, onde muitas vezes as aglomera??es em busca de comida n?o s?o evitadas -- longas filas se tornaram comuns na regi?o.

Outras entidades, por?m, n?o tiveram o mesmo caminho. O Grupo da Sopa, da zona leste da cidade, precisou interromper seus servi?os desde 18 de mar?o, uma vez que grande parte dos volunt?rios est? no grupo de risco do coronav?rus e as entregas re?nem aglomera??es.

'Ainda n?o temos previs?o de retorno. Decidimos voltar somente depois que for liberada a aglomera??o de pessoas pelo governo do Estado', disse Norival Nogueira, um dos coordenadores do grupo, que entregava 250 refei??es toda quinta-feira em v?rios pontos da cidade.

Enquanto n?o libera aglomera??es, o governo estadual decidiu no final do m?s passado ampliar os servi?os do restaurante popular Bom Prato por 60 dias, e espera servir cerca de 110 mil refei??es por dia nesse per?odo. Anteriormente, eram cerca de 90 mil.

Com pre?os que variam entre 50 centavos e 1 real, o programa passou a servir, al?m de caf? da manh? e almo?o, tamb?m o jantar, enquanto o funcionamento foi ampliado para fins de semana e feriado. Entre as raz?es citadas pelo governo est? justamente a quarentena de organiza??es sociais.

'O investimento total ? de 18 milh?es de reais, para atender pessoas que mais precisam, em situa??o de rua, desempregadas, sem renda ou com uma renda m?nima', disse o governador Jo?o Doria (PSDB) ao anunciar as medidas.

O Estado de S?o Paulo, o mais afetado pelo coronav?rus no pa?s, est? em quarentena pelo menos at? 22 de abril. De acordo com dados do Minist?rio da Sa?de, s?o 5.682 casos e 371 mortes registradas.

(Reportagem adicional de Amanda Perobelli)

Escrito por Reuters

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