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Proposta de Damares de abstinência sexual de jovens virá como complementar, mas especialistas veem riscos

Placeholder - loading - Ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves 11/04/2019 REUTERS/Adriano Machado
Ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves 11/04/2019 REUTERS/Adriano Machado

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Por Lisandra Paraguassu

BRAS?LIA (Reuters) - A pol?mica criada com a defesa do adiamento do in?cio da atividade sexual entre os jovens tem feito a ministra da Mulher, Fam?lia e Direitos Humanos, Damares Alves, repetir que essa ser? apenas uma pol?tica complementar, mas ainda assim esbarra em cr?ticas e sua efici?ncia ? contestada.

A proposta feita por Damares, que ? pastora evang?lica, encontra resist?ncia dentro do pr?prio governo --mais especificamente no Minist?rio da Sa?de, diretamente respons?vel pelas pol?ticas de preven??o ? gravidez e planejamento familiar. Mesmo criticada, a ideia, que pode ser confundida com prega??es religiosas pela abstin?ncia sexual, tem eco no p?blico mais conservador que elegeu Bolsonaro.

A ministra nega que exista na proposta um vi?s religioso, mesmo que uma de suas principais inspira??es venha da associa??o crist? Eu Escolhi Esperar, tocada pelo pastor Nelson J?nior, que tem como pol?tica central o incentivo a abstin?ncia sexual at? o casamento.

O tema da abstin?ncia --ou como prefere o minist?rio, do adiamento da inicia??o sexual-- n?o estar? na campanha de preven??o ? gravidez precoce que o governo lan?a no pr?ximo dia 3. Essa campanha, no m?s do Carnaval, ser? centrada no uso de preservativos, de acordo com uma fonte que teve acesso ao material. Seu lema ser? 'tudo tem seu tempo' e vai mostrar pessoas que foram pais adolescentes.

A proposta, no entanto, far? parte das pol?ticas de governo preparadas pelo Minist?rio da Fam?lia, no chamado 'Plano Nacional de Preven??o ao Risco Sexual Precoce'. Uma nota t?cnica sobre o assunto, que foi preparada pela assessoria da ministra Damares, est? em discuss?o no minist?rio e tamb?m com a pasta da Sa?de. De acordo com uma fonte, a inten??o ? que fa?a parte de uma pol?tica permanente de governo.

Damares vem trabalhando no tema h? alguns meses. No in?cio de dezembro, a ministra organizou um semin?rio em Bras?lia sobre gravidez na adolesc?ncia. Os principais palestrantes foram a CEO da organiza??o norte-americana Ascend, Mary Anne Mosack --respons?vel por promover cursos para qualificar educadores a incentivarem a aus?ncia da vida sexual para os jovens--, al?m do pastor Nelson Junior.

No entanto, com a rea??o ? proposta --inclusive do Minist?rio da Sa?de-- Damares j? diminuiu sua ?nfase na abstin?ncia como pol?tica central, pelo menos em entrevistas. A t?nica do minist?rio ? uma defesa do adiamento do in?cio da atividade sexual como uma alternativa, mas n?o a ?nica op??o.

'N?o tem nenhuma guerra contra os outros m?todos. S? queremos acrescentar aos outros m?todos uma outra iniciativa, que ? retardar o in?cio da rela??o sexual no Brasil', defendeu a ministra em uma entrevista ? r?dio Jovem Pan. 'Tudo o que a gente quer ? uma conversa com os adolescentes.'

A Reuters tentou uma entrevista com Damares, mas sua assessoria afirmou que a ministra estava sem agenda dispon?vel.

A ministra diz que espera que uma pol?tica desse tipo conven?a alguns adolescentes a adiar o in?cio da vida sexual. Segundo Damares, na m?dia, a vida sexual no Brasil come?a com 12,9 anos no caso dos meninos e 13,7 anos das meninas. Para aqueles que preferem n?o esperar, segundo a ministra, se apresentariam outros m?todos.

Em suas redes sociais, nesta semana, Damares refor?ou que a proposta seria 'uma pol?tica complementar, n?o a ?nica ou a principal'.

No entanto, a nota t?cnica do minist?rio apresenta outra vers?o. De acordo com o jornal O Globo, o texto --confirmado pela Reuters com uma fonte que teve acesso a ele-- sustenta que ensinar m?todos contraceptivos 'normaliza o sexo adolescente'.

No Minist?rio da Sa?de a proposta de Damares ? vista com ressalvas contundentes. A vis?o ? que a ideia de abstin?ncia pode at? coexistir, mas nunca substituir programas de preven??o e planejamento familiar. Damares, no entanto, encontra respaldo na ala mais conservadora do governo.

OUTRA REALIDADE

O temor de especialistas ? que, mesmo com os freios colocados pelos profissionais de sa?de, a ideia da abstin?ncia acabe suplantando outras medidas.

'Eu vejo isso com muito temor. A gente est? em um momento em que as pessoas est?o muito radicalizadas para um lado e outro e pode ter sim um risco a? de encontrar Estados e munic?pios que podem adotar isso como pol?tica', disse ? Reuters a professora Maril?cia Pican?o, chefe do Servi?o de Medicina do Adolescente da Faculdade de Medicina da Universidade de Bras?lia.

Pican?o, que h? 20 anos desenvolve um trabalho de atendimento a m?es e pais adolescentes no Hospital Universit?rio da UnB, afirma que s?o in?meros os fatores associados a uma vida sexual precoce e uma consequente gravidez, mas o principal deles ? a educa??o, ou a falta de acesso a ela.

'Esses jovens est?o fora da escola, sem acesso ? sa?de, sem acesso ? informa??o, a m?todos contraceptivos, sem direitos. Um programa de abstin?ncia n?o vai resolver, n?o conversa com a realidade dessas crian?as. O governo faria mais em investir em pol?ticas educacionais que d?em uma perspectiva a essas jovens', afirmou.

Segundo a professora, uma menina de 12 anos, um menino de 11 anos, claramente n?o teriam idade para iniciar uma vida sexual.

'Mas est?o iniciando. E ? claro que uma crian?a dessa idade n?o tem maturidade para isso, nem para tomar essa decis?o. Ent?o ? preciso trabalhar a escola, a fam?lia, a comunidade', defendeu. 'O adolescente tem o direito de conhecer seu corpo, de pensar, de decidir. Mas isso n?o acontece num passe de m?gica. As op??es v?m da educa??o, de pensar em ter uma perspectiva de vida.'

Damares citou em entrevista estudos que embasariam o suposto sucesso de uma pol?tica de abstin?ncia. A ministra chegou a citar pol?ticas do tipo usadas nos Estados Unidos como exemplo, al?m de pesquisas no Chile e um programa implementado em Uganda para combater a infec??o por HIV.

No entanto, revis?es feitas de estudos sobre pol?ticas de combate ? gravidez na adolesc?ncia e infec??o de jovens por HIV mostram que programas exclusivamente baseados em abstin?ncia n?o funcionam.

Tr?s artigos m?dicos que revisaram estudos com programas de abstin?ncia sexual n?o conseguiram encontrar resultados concretos nesse tipo de pol?tica. Um deles, publicado em 2007 no British Medical Journal, analisou 13 estudos dos quais participaram 15.940 jovens norte-americanos.

A conclus?o foi de que 'nenhum programa afetou a incid?ncia de sexo vaginal n?o protegido, n?mero de parceiros, uso de preservativo ou inicia??o sexual'.

Um dos mais recentes, publicado em 2016 na revista m?dica Health Psychology Review e assinado por quatro pesquisadores das Escolas de Medicina da Universidade de Exeter e da Universidade de Bristol, ambas no Reino Unido, analisou 37 revis?es de 224 estudos baseados em interven??es feitas em escolas, incluindo cinco tipos diferentes de modelos.

A principal conclus?o foi de que 'interven??es sobre sa?de sexual e relacionamentos que focam exclusivamente na abstin?ncia sexual n?o s?o efetivas em mudar o comportamento dos estudantes. Programas completos sobre riscos sexuais e preven??o de HIV foram consistentemente efetivos em mudar conhecimento, atitudes e habilidades (dos estudantes).'

FALTA DE INFORMA??O

De acordo com os dados levantados pela Organiza??o Panamericana de Sa?de e o Fundo das Na??es Unidas para a Inf?ncia, a taxa de gravidez adolescente (entre 15 e 19 anos) no Brasil est? em torno de 65 por mil habitantes, enquanto a m?dia mundial ? de 46 por mil. No Brasil, 18% dos beb?s nascem de m?es com idade entre 10 e 19 anos.

Segundo o Minist?rio da Sa?de, 66% das gesta??es em adolescentes s?o indesejadas, decorrentes de falta de informa??o, falta de apoio e de redes familiares.

Para a ministra da Mulher, Fam?lia e Direitos Humanos, os programas usados at? hoje n?o deram certo.

'A ministra ? louca, mas o que est? a? n?o est? dando certo. Ent?o me deixa por favor fazer um experimento. S? quero dizer 'espere um pouquinho'', disse em entrevista ? r?dio Jovem Pan.

Escrito por Reuters

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