WIDER IMAGE-À espera de moradia, vida em ocupação exige luta e resistência
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Por La?s Martins
S?O PAULO, 20 Jun (Reuters) - O cheiro de comida inunda as escadas do Edif?cio Prestes Maia, maior ocupa??o vertical da Am?rica Latina. No 6? andar do pr?dio na capital paulista, Vera Helena, de 66 anos, apronta o almo?o para comemorar o Dia das M?es, uma data feliz em meio a incertezas agravadas pela queda de um outro edif?cio ocupado e localizado a menos de 1 quil?metro dali.
Vera vive desde 2002 ? espera de uma solu??o. Matriarca de uma das 480 fam?lias que est?o na ocupa??o, ela agora aguarda um chamado do poder p?blico para uma avalia??o que dir? se ela est? apta a participar do sorteio por uma das unidades habitacionais constru?das por meio das PPPs --parcerias p?blicos privadas.
A PPP do Centro, um projeto do governo do Estado que prev? a constru??o de mais de 3.600 unidades de habita??o na regi?o central de S?o Paulo at? 2020, teve 191 mil fam?lias inscritas. At? agora, cerca de 720 unidades foram conclu?das, segundo n?meros da Secretaria de Estado de Habita??o de S?o Paulo.
Enquanto a solu??o n?o chega, ela segue vivendo no apartamento que divide com o ex-marido e uma neta na Ocupa??o Prestes Maia, dois blocos de 9 e 22 andares que j? abrigaram uma ind?stria de tecidos.
Vera relembra quando chegou ao pr?dio, depois de se ver sem condi??es de pagar o aluguel de onde vivia. N?o tinha nada. Sabe esse emaranhado de bloco, de coluna? Era vazio. A? j? come?amos a pegar madeira, dividir nossos espa?os , conta.
O pr?dio, que foi comprado pela Prefeitura de S?o Paulo em 2015, tamb?m aguarda uma solu??o. A revitaliza??o e a reforma que poder?o transform?-lo em moradia de interesse social dependem do projeto ser aprovado para receber um financiamento que viabilizar? a obra.
S? na cidade de S?o Paulo, segundo n?mero da administra??o municipal, 46 mil fam?lias sem-teto buscam moradia nas ocupa??es, edif?cios abandonados e ociosos ocupados por movimentos sociais, do centro de S?o Paulo.
O desabamento em maio do pr?dio Wilton Paes de Almeida, tamb?m uma ocupa??o na regi?o central de S?o Paulo, foi mais um alerta da crise de moradia enfrentada pela cidade, onde o d?ficit habitacional ? estimado em 830 mil domic?lios.
A gente ocupa pr?dios vazios, ociosos, abandonados, cheios de lixo, de ratos, baratas, ent?o a gente j? faz a tratativa de preven??o desde o momento em que a gente entra , explica Carmen Silva, coordenadora da Frente de Luta por Moradia (FLM), ? Reuters.
Embora n?o tenham havido mudan?as estruturais por parte dos movimentos, a Prefeitura de S?o Paulo passou a realizar vistorias em outras ocupa??es, ainda que n?o haja, no momento, uma decis?o sobre o que ser? feito depois que essa etapa for conclu?da.
ALUGUEL OU COMIDA
Segundo os movimentos, h? mais de 20 anos fam?lias de baixa renda procuram moradia em ocupa??es por n?o terem condi??es de pagar alugu?is, em um Estado onde a renda m?dia per capita ? de 1.712 reais, segundo o IBGE.
O movimento sem-teto tem uma frase: Se paga o aluguel, n?o come. E se come, n?o paga o aluguel , diz Benedito Barbosa, um advogado popular que presta apoio aos movimentos, citando o custo e o impacto que os altos alugu?is t?m sobre o or?amento de fam?lias de baixa renda.
? na lacuna deixada pelo poder p?blico que atuam os movimentos por moradia, afirma Netti Ara?jo, coordenadora do Movimento de Moradia na Luta por Justi?a.
Estamos organizados para fazer uma luta para aquelas fam?lias que n?o t?m condi??es de ter acesso ? moradia e, infelizmente, o poder p?blico ?o governo, a prefeitura, at? mesmo a Presid?ncia? acabam jogando para n?s uma responsabilidade que ? deles , afirma.
Ao contr?rio do que ? praticado, segundo os movimentos, a legisla??o brasileira ? muito clara ao estabelecer que dar moradia ? uma obriga??o do Estado, citando a Constitui??o Federal, o C?digo Civil e diversos marcos municipais e estaduais de habita??o.
Direito ? moradia ? direito humano universal. Ele vem desde a Declara??o Universal dos Direitos Humanos , lembra a docente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie Viviane Manzione, citando o documento de 1948.
No entendimento da arquiteta, no entanto, o problema n?o ? a aus?ncia do Estado e de pol?ticas p?blicas, mas sim a sua m? atua??o e aplica??o, o que encoraja a popula??o a resolver o problema pelas pr?prias m?os . A popula??o, junto aos movimentos organizados, acaba por atender e ir atr?s dessas quest?es , afirmou.
Entre outubro de 2014 e dezembro de 2017, segundo dados da Prefeitura de S?o Paulo, 1.380 im?veis foram notificados por n?o cumprirem a chamada fun??o social da propriedade, que determina que, se um im?vel n?o est? servindo ? sociedade como um todo, o propriet?rio ser? notificado e ter? de cumprir algumas obriga??es que garantam o uso social.
Se o propriet?rio n?o reagir ? notifica??o, est? sujeito a uma s?rie de medidas punitivas, como por exemplo, um aumento progressivo do IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano).
O instrumento, previsto no Plano Diretor Estrat?gico de 2014, fez com que, durante o per?odo de quase tr?s anos, 182 im?veis cumprissem as obriga??es ou tivessem a notifica??o cancelada.
Dos 1.380 im?veis notificados entre 2014 e 2017, cerca de 780 est?o localizados na subprefeitura S?, que compreende o centro da cidade, um n?mero que indica a raz?o de tantas ocupa??es nesta regi?o.
MAL NECESS?RIO
Os movimentos defendem que ocupar n?o ? um desejo permanente de nenhum morador, mas tamb?m veem poucos incentivos do poder p?blico para que a situa??o mude.
Para n?s, sempre, a ocupa??o ? a ?ltima alternativa e ela ? um mal necess?rio. Ningu?m quer ficar em ocupa??o. Se as fam?lias est?o aqui h? nove anos, n?o ? porque as fam?lias querem, porque o movimento quer , disse Benedito.
Segundo a docente da FAU-Mackenzie, faltam pol?ticas que deem aos moradores condi??es de, no longo prazo, mudarem de status. Para ela, n?o h? sentido em construir pol?ticas de habita??o sem que se realize um trabalho paralelo de capacita??o para trabalho e gera??o de renda.
De acordo com Vera, seu genro chegou a ser sorteado para a primeira etapa da sele??o para uma PPP, mas n?o foi escolhido por n?o ter renda suficiente.
Da parte da prefeitura, conseguir financiamentos para produ??o de moradias tamb?m ? tarefa ?rdua, explica o secret?rio de Habita??o da capital, Fernando Chucre. Segundo ele, a prefeitura est? negociando junto ao governo federal e ao Minist?rio das Cidades a cria??o de uma linha de financiamento espec?fica para revitaliza??es no centro de S?o Paulo, o que permitiria criar habita??es.
De acordo com a administra??o municipal, durante o ano de 2017, foram entregues 2.800 moradias entre todas as modalidades de programas de habita??o.
Formada em Servi?o Social e av? de 18 netos e bisav? de 4, Vera coordena hoje o andar onde mora e ? encarregada de levar as reivindica??es dos vizinhos para a reuni?o semanal da ocupa??o.
Apesar dos desafios, consegue enxergar conforto na vida que leva na ocupa??o e reconhece que tem privil?gios na compara??o com outros pr?dios ocupados.
At? que aqui ? grande, em vista de algumas ocupa??es em hot?is, que o quarto de hotel ? bem pequeno e limitado. No Jap?o tamb?m ? t?o pequenininho , diz. A gente mora num palacete.
Escrito por Redação
SALA DE BATE PAPO