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Quem são os donos dos rios do Brasil? Transporte e energia disputam uso da água

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Por Karla Mendes

PEDERNEIRAS, 3 Ago (Thomson Reuters Foundation) - 'Rio Tiet?, conto com voc? uma vida inteira'. Os versos do hino da cidade de Pederneiras, no interior paulista, mostram o status quase sagrado de uma hidrovia que ajuda a impulsionar a economia brasileira.

Seja gerando eletricidade ou transportando produtos agr?colas, o rio ? fundamental. Mas a crescente escassez de ?gua provocou uma disputa de quem tem mais direito de explorar as ?guas dos rios, e especialistas dizem que, num cen?rio cada vez mais agudo de escassez, o governo precisa solucionar esse impasse.

A escassez de ?gua ? 'o novo cen?rio de normalidade, n?o uma emerg?ncia', disse Munir Soares, especialista em energia do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), ? Thomson Reuters Foundation.

Um dos principais corredores de transporte do pa?s para o escoamento da produ??o de soja, milho, fertilizantes e outros produtos agr?colas, a hidrovia Tiet?-Paran? ficou fechada por 20 meses entre 2014 e 2016 devido ? seca e ao desvio de ?gua para gerar energia, com uma perda estimada de 1 bilh?o de reais para empresas de navega??o e de 1.600 empregos.

Diante de novas amea?as de fechamento da hidrovia devido ? escassez de chuvas, especialistas cobram do governo e ?rg?os reguladores mais clareza sobre quem pode explorar o rio, e quando.

A agricultura e o agroneg?cio responderam por cerca de um quarto do Produto Interno Bruto brasileiro em 2017, de acordo com a Confedera??o da Agricultura e Pecu?ria (CNA). O Brasil ? o terceiro maior produtor de eletricidade das Am?ricas, segundo a Administra??o de Informa??o de Energia (AIE), do governo dos Estados Unidos.

No entanto, apesar da exist?ncia de uma pol?tica nacional que regulamenta o uso dos recursos h?dricos, h? uma 'zona cinzenta' que desencadeia conflito entre empresas de transporte e energia, segundo Soares.

Em per?odos de escassez h?drica, a lei n?o define claramente quem deve ter acesso priorit?rio ao rio, que ? rico em corredeiras e pontuado por quedas acentuadas, acrescentou o especialista.

Em tempos de chuvas inconstantes, quando o Operador Nacional do Sistema El?trico (ONS) determina o despacho de mais energia hidrel?trica, o que demanda mais ?gua para a gera??o, isso pode impedir a navega??o na hidrovia do Tiet?, explicou Soares.

Para Soares, se nesta conjuntura a ?gua do rio vai ser usada para gerar eletricidade, os ?rg?os reguladores precisam deixar isso claro, de modo que as empresas de navega??o n?o sejam surpreendidas e tenham tempo para buscar outras alternativas para evitar preju?zos.

'Se as empresas de transporte n?o honrarem seus contratos, elas ter?o problemas.'

Segundo Adalberto Tokarski, diretor da Ag?ncia Nacional de Transportes Aquavi?rios (Antaq), algumas empresas de transporte entraram com a??es na Justi?a por causa do preju?zo causado pelo fechamento da Tiet?-Paran? em 2014-2016.

'A lei ? muito clara, mas ela n?o ? respeitada por causa do poder de interfer?ncia do setor el?trico. A lei n?o d? supremacia ao setor el?trico. Ela garante os usos m?ltiplos da ?gua, tem que ter um equil?brio', disse.

DISPUTA PELO RIO

A disputa pelo uso da hidrovia Tiet?-Paran? ocorre desde 2001, quando o pa?s enfrentou uma grave crise de falta de energia el?trica devido ? escassez de chuvas, e a hidrovia quase foi fechada.

Em 2014, o Brasil sediava a Copa do Mundo e a ?gua que poderia ter ajudado a manter os n?veis da Tiet?-Paran? foi usada para gerar eletricidade devido ao aumento da demanda e ao atraso da entrada em opera??o de grandes usinas.

Em S?o Paulo, o abastecimento de ?gua pot?vel chegou a n?veis cr?ticos.

N?veis mais baixos dos rios for?am as empresas a reduzir a quantidade de produtos transportados na hidrovia, podendo at? mesmo impedir que as barca?as usem o corredor por completo, segundo Raimundo Holanda, presidente da Federa??o Nacional das Empresas de Navega??o Aquavi?ria (Fenavega).

Em 2017, a hidrovia transportou um recorde de 8,91 milh?es de toneladas de carga, um salto de quase 50 por cento ante 6,3 milh?es em 2013, informou o Departamento Hidrovi?rio do Estado de S?o Paulo por email.

Mas isso estar? em xeque se a ?gua do rio for desviada novamente para abastecer as barragens --em um pa?s que depende da energia hidr?ulica para gerar cerca de dois ter?os da energia el?trica produzida, disse Tokarski.

A decis?o de fechar ou n?o a hidrovia est? nas m?os da Ag?ncia Nacional de ?guas (ANA).

Diante do risco de fechamento da hidrovia no final do ano passado, a ANA criou uma 'sala de crise' que re?ne o ONS, a Antaq e representantes do setor de transporte para avaliar as condi??es de navega??o da hidrovia e os n?veis de ?gua das barragens.

Em comunicado, a ANA informou que ?busca atender aos diversos usos da ?gua sem privil?gio ou preju?zo a um setor usu?rio?, mas admitiu que ?nem sempre ? poss?vel atender ?s demandas de todos os setores usu?rios e pode haver conflitos entre os usos?.

O ONS informou, por meio de nota, que sempre procura fazer a melhor gest?o dos recursos h?dricos, em articula??o com a ANA, de forma a tornar compat?vel a gera??o de energia com o atendimento aos usos m?ltiplos da ?gua. No caso da hidrovia Tiet?-Paran?, as condi??es hidrol?gicas ainda est?o sendo avaliadas, pois estamos no meio do per?odo seco, segundo o ONS.

EMPREGOS EM RISCO

Localizada a pouco mais de 300 quil?metros da capital paulista --?onde o Tiet? ? s?mbolo da polui??o dos rios--, Pederneiras ? um ponto estrat?gico da hidrovia, no qual a carga ? transferida para os trens, que a levam at? o Porto de Santos para ser exportada, disse Holanda.

'O rio Tiet? n?o ? apenas um rio', disse Vicente Minguili, prefeito da cidade conhecida como 'a capital da hidrovia'.

'A hidrovia ? muito importante para gerar empregos e atrair investimentos.'

Alan de Moura Lima ? um dos 1.600 trabalhadores que perderam o emprego quando a Tiet?-Paran? fechou h? quatro anos.

'Foi dif?cil. Passei boa parte da minha vida profissional nessa hidrovia', disse Lima ? Thomson Reuters Foundation sobre os trilhos da ferrovia em uma ponte sobre o rio Tiet?.

Lima trabalhou na ?rea de log?stica de duas empresas ligadas ? hidrovia por quatro anos, mas depois de ficar desempregado durante um ano, montou uma empresa de revenda de pe?as com a fam?lia e n?o pensa em voltar para a hidrovia.

'Todo ano h? uma amea?a de fechar a hidrovia. Eu n?o quis voltar por causa dessa incerteza.'

CONFLITOS NA AMAZ?NIA

Conflitos sobre o direito de propriedade dos rios tamb?m ocorrem na Amaz?nia, onde grandes usinas hidrel?tricas foram constru?das nos ?ltimos anos, provocando queixas de empresas de navega??o sobre o efeito das barragens nos n?veis das ?guas dos rios.

Em Porto Velho (RO), empresas de navega??o disputam o Rio Madeira com a companhia de energia respons?vel pela Usina Hidrel?trica de Santo Ant?nio --uma das maiores do Brasil.

Leudo Buriti, presidente da Sociedade de Portos e Hidrovias do Estado de Rond?nia (SOPH), reclama de mudan?as bruscas nos n?veis da ?gua dos rios, o que interfere na navega??o --o que ele diz que n?o acontecia antes da constru??o da barragem.

Em um comunicado por email, a Santo Ant?nio Energia disse que a usina?n?o interfere nos n?veis do rio porque o fluxo que a barragem recebe do rio ? imediatamente descarregado.

'As altera??es que ocorrem na vaz?o do rio Madeira ao longo de todos os anos s?o decorrentes do degelo dos Andes e dos per?odos de chuvas intensas na cabeceira do rio', disse a empresa.

Segundo Buriti, outra queixa ? a reten??o de troncos de ?rvores que descem pelo rio Madeira pela usina e a libera??o desses troncos de uma s? vez, atingindo portos e barcos, causando preju?zo e acidentes.

'Temos que gastar muito dinheiro para retirar esses troncos e devolv?-los ao rio. Esses troncos causam problemas com pequenas embarca??es de ribeirinhos e pescadores e tamb?m atingem as barca?as.'

A Santo Ant?nio Energia disse que a hidrel?trica usa uma estrutura que impede que os troncos cheguem ?s turbinas, mas sem ret?-los, permitindo que sigam seu curso natural.

Benedito Braga, presidente do Conselho Mundial da ?gua e ex-presidente da ANA, disse que a ANA tem um papel cada vez mais importante na media??o desses conflitos em tempos de crescente escassez de ?gua diante das mudan?as clim?ticas.

'Em fun??o da predomin?ncia da gera??o h?drica, o setor hidrovi?rio tem uma dificuldade com o setor el?trico. Mas a ANA tem todas condi??es para encontrar solu??es para o setor el?trico e a navega??o'.

Escrito por Redação

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